O relógio da Câmara dos Deputados marcava 16h50m de sexta-feira quando o deputado baiano Adolfo Viana, vice-líder do PSDB, lançou na rede eletrônica o seu relatório sobre a Medida Provisória da Crise Hídrica (nº 1.055).
Já não havia parlamentares no prédio. A última sessão da semana ocorrera pela manhã e durou exatos quatro minutos, tempo suficiente para a leitura da pauta de votações da manhã de segunda-feira. O primeiro item é o relatório da MP da Crise Hídrica.
Assinada por Jair Bolsonaro na segunda-feira 28 de junho, essa medida provisória ficou estacionada por 14 semanas na Câmara. Agora, vai a voto em caráter de urgência.
Se aprovado como está, o relatório da MP feito pelo deputado Viana vai impor um bilionário aumento na conta de luz. No total haverá um adicional de R$ 46,5 bilhões, calcula a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). Na sequência, o projeto vai ao Senado.
É caso exemplar de como a vida das pessoas e das empresas pode ser afetada, para pior, por uma lei aparentemente voltada à solução de um problema nacional, a seca, numa conjuntura marcada pelo temor coletivo do racionamento de energia.
Um único trecho, se aprovado, custaria R$ 33 bilhões aos consumidores, de acordo com a estimativa da Abrace. É o que prevê o custeio da construção de novos gasodutos.
Escrito em burocratês, obriga a agência reguladora, a Aneel, a criar “mecanismos vinculados às tarifas de transmissão de forma a integrar o sistema de gasodutos associados à contratação de reserva de capacidade às instalações da rede básica [de abastecimento de energia], com vistas à definição da receita anual permitida”.
Cada uma dessas 35 palavras representa um custo adicional de R$ 942,8 milhões para os consumidores de energia.
É despesa nova imposta a todos em benefício de alguns empresários que se aventuraram no plantio de usinas térmicas (8.000 MW) em áreas remotas, distante dos centros de consumo, onde não há gasoduto para levar o gás e nem linha de transmissão de energia para fornecer a eletricidade necessária aos equipamentos.
Na ironia parlamentar são “usinas jabutis”, penduradas “por mão de gente” no projeto legislativo para a crise hídrica. Numa espécie de preliminar, já haviam sido legitimadas na lei de privatização da Eletrobras.
Na segunda-feira, a partir das 10 horas, os deputados devem votar essa MP da Crise Hídrica. Não tiveram tempo para analisar e debater o relatório do deputado Viana, que consolidou 255 sugestões de emendas à proposta do governo — outras ainda devem ser apresentadas no plenário. No entanto, cada palavra e cada vírgula nesse texto legislativo poderá custar muito caro para todos os consumidores de energia.