Jair Bolsonaro jogou a toalha na crise dos combustíveis. “Deve se agravar”, advertiu em conversa com um grupo de apoiadores diante do Palácio da Alvorada, em Brasília.
Explicou: “A União Europeia decidiu não importar mais petróleo da Rússia. Os Estados Unidos tentaram há pouco tempo importar petróleo da Venezuela, do Maduro. O americano falou que não vai aumentar a sua produção de petróleo. O Brasil não tem como aumentar a dele. Em consequência, a crise dos combustíveis deve se agravar, tá?”
Acrescentou uma ressalva: “É no mundo todo. Se fosse só aqui podiam me culpar, mas é no mundo todo (…) O [Michel] Temer fez a tal da PPI [política de paridade de preço internacional], o preço com paridade internacional. Mudamos o ministro das Minas e Energia, e estamos tentando aí ‘abrir’ a Petrobras, tá?”
O governo vive um transe eleitoral na encruzilhada da tendência de alta do adversário Lula nas pesquisas eleitorais e a elevação dos preços do petróleo — ontem, a 114 dólares o barril.
A decisão é “segurar” a inflação a todo custo, até o fim das eleições. Se necessário, com a decretação de um “estado de calamidade” econômica, para legitimar uma forma indireta de controle de preços, via subsídios temporários e direcionados, principalmente, aos consumidores de óleo diesel no transporte de cargas, transporte coletivo urbano, serviços de táxis.
Bolsonaro se vê, de novo, aprisionado na realidade.
Foi assim na pandemia. Ele atravessou o primeiro ano da disseminação do vírus minimizando a emergência sanitária, “receitando” e gastando dinheiro público na produção de um elixir à base de cloroquina.
O resultado era previsível: deu errado, e o país acumulou estoque de derivados de cloroquina suficiente para mais de duas décadas.
No segundo ano pandêmico, resolveu radicalizar na desqualificação da vacina contra a Covid-19, e, principalmente, do potencial adversário eleitoral que se empenhava em produzir o imunizante no país, o ex-governador paulista João Doria.
Deu errado, de novo. A população se desconectou de Bolsonaro e dos seus portavozes no Ministério da Saúde. Pressionou pela vacina.
Quando chegou o imunizante, aderiu espontaneamente à vacinação — ontem 83% dos brasileiros já estavam imunizados com duas doses ou dose única. O governo se viu atropelado pela sociedade.
O quadro se repete, em muitos aspectos, na crise inflacionária que derrete o orçamento das famílias pobres, com renda domiciliar de até dois salários mínimos mensais (R$ 2,4 mil).
Nesse segmento estão 43% dos eleitores. São donos de 64,5 milhões de votos, quantidade equivalente ao disputado eleitorado da região Sudeste (São Paulo, Minas, Rio e Espírito Santo).
Para eles, depois da pandemia, nada pior do que a combinação de uma inflação crescente com o desemprego crônico.
Mais de 60% do orçamento dessas famílias é consumido em alimentos e energia. Nelas está grande parte da rejeição eleitoral a Bolsonaro, sobretudo entre mulheres e jovens.
O apoio a Lula, seu mais destacado adversário, aumentou cinco pontos percentuais (para 65%) entre os eleitores mais pobres, com renda inferior a um salário mínimo (R$ 1,2 mil mensais).
Subiu sete pontos (para 54%) entre os que ganham de um até dois salários mínimos (R$ 2,4 mil). Isso aconteceu nas últimas oito semanas, informa a mais recente pesquisa da FSB para o banco BTG.
Ela reflete a desconexão com a realidade evidente durante o ano passado que o governo preferiu abstrair do seu cálculo político, como fez na pandemia.
Quando o petróleo estava a 60 dólares, em abril, começou-se a discutir no Congresso uma política emergencial de subsídios para baratear os combustíveis. O governo obstruiu, descartou por considerar desnecessário.
Se passaram 14 meses, a guerra na Ucrânia completou cem dias, e o governo está de volta ao mesmo ponto do início de 2021. A diferença, agora, é que a busca pelo tempo perdido ocorre na plena incerteza e sob alta ansiedade eleitoral.