As pessoas estão voltando a protestar nas ruas, depois de uma pausa forçada pelo ciclo pandêmico.
Em 2019 a agitação social foi elevada no mundo todo, sobretudo nos países da América Latina. Caiu durante a emergência sanitária global, em consequência do distanciamento social.
Retornou. Embora ainda esteja abaixo dos níveis registrados antes da pandemia, existe fermento suficiente nas praças públicas para alavancar a inquietude social no segundo semestre — a combinação de aumentos acentuados de preços de alimentos e de combustíveis.
A constatação é de Philip Barrett, da equipe do Departamento de Pesquisas do Fundo Monetário Internacional (FMI) que se dedica a acompanhar, medir e entender os fatores econômicos e os custos da inquietação social em 130 países.
O Fundo desenvolveu um modelo de monitoramento (Reported Social Unrest Index), a partir da contagem de menções na mídia de palavras associadas a distúrbios nesses países.
Na sexta-feira, Barrett publicou uma atualização do banco de dados do FMI sobre protestos neste ano: “A fração de países com grandes ‘picos’ nesse índice, que normalmente reflete grandes eventos de agitação, subiu para cerca de 3% em fevereiro. Isso está próximo de seus níveis mais altos desde o início da pandemia” — escreve.
Antes da pandemia, a agitação aumentou em todo o mundo. “Talvez o mais proeminente” — ressalta — “tenha sido uma onda de protestos que começou no Chile e varreu partes da América Latina em outubro e novembro de 2019. Agitação significativa também ocorreu na mesma época no Oriente Médio, principalmente na Argélia, Irã, Iraque e Líbano. A agitação diminuiu acentuadamente no início da pandemia. A pesquisa do FMI mostra que isso é consistente com a experiência durante pandemias passadas, mas não quer dizer que a agitação social parou completamente.”
Barrett acrescenta: “Alguns eventos significativos de agitação ocorreram no segundo e terceiro trimestres de 2020, inclusive nos Estados Unidos, que viram grandes protestos contra a justiça racial; Etiópia, à medida que as tensões interétnicas se tornaram mais pronunciadas; e grandes protestos antigovernamentais no Brasil, Líbano e Bielorrússia”.
Os novos dados indicam a retomada da inquietação social de forma disseminada pelo mapa-múndi — dos países onde grandes distúrbios sociais costumam ser raros, como Canadá, Nova Zelândia, Áustria e Holanda, até nações onde é rotina o clamor contra regimes autoritários, oligárquicos e cleptocratas, como Cazaquistão, Chade, Burkina Faso, Tajiquistão e Sudão.
Os pesquisadores do FMI identificam dois fatores relevantes no horizonte, que determinam “aumento do risco” de distúrbios no segundo semestre.
Barrett descreve: “Primeiro, à medida que os governos relaxam as restrições e as preocupações do público sobre pegar Covid-19 em multidões diminuem, os desincentivos para protestos relacionados à pandemia podem diminuir. E segundo, a frustração pública com o aumento dos preços dos alimentos e dos combustíveis pode aumentar.”
Ele acrescenta: “Embora as causas econômicas da desordem civil sejam complexas e a agitação seja excepcionalmente difícil de prever, aumentos acentuados de preços de alimentos e combustíveis foram associados a protestos mais frequentes no passado. Qualquer aumento da agitação social pode representar um risco para a recuperação da economia global, pois pode ter um impacto duradouro no desempenho econômico”.
No ano passado, a equipe do FMI demonstrou os reflexos econômicos dos protestos de massa. Em geral, consumidores tendem a se retrair diante das incertezas político-sociais com perdas nos setores industrial e de serviços.
“Como resultado, dezoito meses após os eventos mais graves de agitação, o Produto Interno Bruto é, tipicamente, cerca de um ponto percentual menor do que seria”, comenta Barrett. “Embora a agitação social, atualmente, permaneça baixa em relação aos níveis pré-pandemia, o levantamento das restrições da era pandêmica e o contínuo aperto do custo de vida significam que os protestos ainda podem aumentar. E isso pode impor custos econômicos significativos.”