Ontem, o Supremo mandou a Polícia Federal investigar 10 deputados federais e os três filhos parlamentares de Jair Bolsonaro — o senador Flávio, o deputado Eduardo e o vereador Carlos. A ordem foi dada pelo juiz Alexandre de Moraes.
Os deputados são: Bia Kicis (PSL-DF), presidente da principal comissão da Câmara, a de Constituição e Justiça; Carla Zambelli (PSL-SC); Paula Belmonte (Cidadania-DF); Caroline de Toni (PSL-SC); Aline Sleutjes (PSL-PR); Carlos Roberto Coelho de Mattos Júnior, mais conhecido como Carlos Jordy (PSL-RJ); Paulo Eduardo Martins (PSC-SC); José Negrão Peixoto, o Guiga Peixoto (PSL-SP); Eliéser Girão Monteiro Filho, o General Girão (PSL-RN); e, Daniel Silveira (PSL-RJ), que está preso e teve o mandato suspenso.
Ao justificar a decisão, o juiz Moraes os descreveu como integrantes de uma conspiração com o objetivo de “derrubar a estrutura democrática”. Citou indícios de uma “estrutura organizada”, financiada com recursos públicos e privados, dedicada à incitação de um golpe para “o retorno do estado de exceção”, a partir do fechamento do Congresso e da “extinção total ou parcial” do Supremo Tribunal Federal.
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É caso inédito de investigação judicial de um grupo de parlamentares aparentemente envolvido numa trama golpista de agitação e propaganda para acabar com o regime democrático, anular o Legislativo e o Judiciário, e impor uma ditadura a partir da mobilização das ruas. Moraes não deixa explícito, mas das 83 páginas de “elementos indiciários” que assinou ontem emerge um único beneficiário: Jair Bolsonaro.
O ponto de partida desse inquérito foi um outro (nº 4.828), polêmico pelo caráter difuso e conhecido como o das “fake news”, cujo alvo eram os protestos organizados por aliados do presidente em 19 de abril do ano passado, Dia do Exército.
Na tarde daquele domingo, o presidente fez um comício na frente do Quartel-Geral, em Brasília, para uma plateia que gritava por intervenção militar “já”, com a exigência de entrega do poder a Bolsonaro, e evocava o Ato Institucional nº 5 (AI-5) da ditadura como instrumento de governo. O AI-5 levou o regime ditatorial ao extremo, legitimando cassações de mandatos, perdas de direitos políticos, censura, proibição de reunião e até de exercício de profissão, confisco de bens e suspensão do quase milenar instituto jurídico do habeas corpus, abrindo a porta dos porões para a prisões clandestinas, sem direito a defesa, tortura, morte e desaparecimento de presos políticos.
O inquérito do ano passado foi arquivado, a pedido da procuradoria-geral comandada por Augusto Aras, candidato à recondução no cargo ou à indicação ao Supremo na vaga do juiz Marco Aurélio Mello, que se aposenta em 11 dias. No tribunal, a impressão dominante é a de que Aras transformou a procuradoria numa espécie de anexo do Palácio do Planalto. Na sequência de iniciativas percebidas como alinhadas aos interesses de Bolsonaro, ele acabou entrando um silencioso duelo com o juiz Moraes, que ontem arquivou a investigação das “fake news” e abriu outra, com base nos indícios já coletados pela polícia.
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A decisão de Moraes atinge o coração do bolsonarismo. Expõe os filhos parlamentares do presidente e uma dezena de deputados federais como protagonistas de um ardil antidemocrático, em última análise um golpe de Estado, “a partir de uma insana lógica de prevalência absoluta de um único poder nas decisões do Estado, sem qualquer possibilidade de controle ou fiscalização, nos moldes constitucionais”.
O juiz vai além, indicando remessas de dinheiro a contas empresariais no exterior “sem qualquer controle, com risco de que parte de tais valores seja originado de verba pública, fechando um ciclo aparentemente ilegal: verbas públicas brasileiras pagas, clandestinamente, a empresas privadas que produzem e divulgam discurso de ódio, ataques aos Poderes de Estado e às instituições da República e rompimento do estado democrático de direito”.
Exemplifica a “ilícita parceria público-privada” mencionando suspeitas de uso de verbas da Secretaria de Comunicação da Presidência e, também, de negócios obscuros em benefício de financiadores privados do projeto golpista. Nesse aspecto, relata o caso de aluguel de imóvel de um dos empresários investigados, Otávio Oscar Fakhoury, para a Petrobras.
A empresa ocupava um prédio de Fakhoury. Ele pediu de volta o imóvel que foi desocupado em dezembro de 2017. No entanto, dezessete meses mais tarde, em maio de 2019, a estatal renovou o contrato “com efeitos retroativos” a setembro de 2017. “Ou seja, a Petrobras aumentou o valor locativo a ser pago” — escreveu Moraes —, “quando o imóvel já estava desocupado a pedido do próprio proprietário, tornou retroativo o aumento do valor e, por fim, manteve os pagamentos mesmo após a desocupação. Não havia razão para a Petrobras manter os pagamentos da locação de uma área já não ocupada há mais de ano.”
O novo inquérito vai do plenário da Câmara dos Deputados à antessala do presidente. Empacota o núcleo parlamentar mais próximo de Bolsonaro, os filhos com mandatos eletivos, seu ajudante-de-ordens, assessores da presidência, dos deputados e pelo menos um organismo da estrutura administrativa do Planalto, a Secretaria de Comunicação.
Não é pouco para um presidente com 122 pedidos de impeachment protocolados, na chefia de um governo acossado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado, que investiga suspeitas de crimes administrativos na opção pela cloroquina em vez da vacina e, também, denúncias de corrupção em contratos do Ministério da Saúde — com protagonismo do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
Bolsonaro já tem garantido um semestre tumultuado na campanha pela reeleição.