Em plena pandemia, com inflação crescente e diante da emergência de uma seca com risco até de racionamento de eletricidade, o governo gasta energia no debate sobre a criação um programa dedicado às “boas” notícias na rede pública de televisão, capitaneada pela Empresa Brasil de Comunicação — uma estatal que custa mais R$ 300 milhões ao Tesouro.
Talvez tenha a relevância de, eventualmente, suprir carências de entretenimento em alguns gabinetes no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios.
Na Casa Civil da Presidência da República, por exemplo, o ministro Luiz Eduardo Ramos, general aposentado, há tempos reclama do noticiário sobre a pandemia: “No jornal da manhã é caixão; na hora do almoço, é caixão novamente. No jornal da noite é caixão, corpo e número de mortos.”
Enfastiado, seu antecessor na Casa Civil, Walter Braga Netto, hoje na Defesa, até saiu em férias quando a mortandade chegou a 300 mil.
Ambos, podem vir a ter nas “boas”notícias da tevê estatal uma alternativa às “narrativas erradas”, como diz o ministro das Comunicações, Fabio Faria, sobre o cenário pandêmico nacional — agora com mais de 500 mil mortos—; à crise energética; à inflação em crescimento, e, ao desemprego de mais de 14 milhões de pessoas, entre outros aspectos da paisagem verde-amarela.
Alguns governos já adotaram essa receita. Foi o caso do regime do falecido coronel venezuelano Hugo Chávez, a quem Jair Bolsonaro nos anos 90 se referia como modelo “ímpar”, realçando a “esperança” de que sua “filosofia chegasse ao Brasil”.
Chávez começou por aí. Criou e apresentou um programa semanal de “boas” notícias na tevê estatal venezuelana, com edições de até oito horas de duração — sem intervalos.
Gostou e evoluiu na fantasia: acabou transformando o orçamento público numa peça do tipo “boa de se ver”.
Mudou o plano de contas nacionais. Ordenou que fosse elaborado sob a premissa de que o “socialismo bolivariano” jamais fracassa — como ainda hoje é possível verificar, trata-se apenas um caso de sucesso mal explicado dentro e fora da Venezuela.
Chávez passou a fazer no orçamento anual — por escrito — a renovação sua eterna promessa de conduzir três dezenas de milhões de venezuelanos ao paraíso.
Fez isso, literalmente, como se comprova na peça orçamentária de 2011. Nela, tem-se um retrato de um governo que é fonte permanente de “boas” notícias para o povo.
A lei anual informava que aos “Ministérios do Poder Popular” — todos assim eram nominados — só estava permitido realizar gastos e investimentos dentro dos seguintes programas (ou rubricas) orçamentários (as):
* “Construir a Felicidade Suprema” (46% da despesa total prevista no orçamento venezuelano de 2011);
* “Estabelecer um Novo Modelo Produtivo e uma Nova Ética Socialista” (26,7%);
* “Aprofundar a Democracia Revolucionária”(15,5%);
* e, “Construir uma Nova Geopolítica” (10,1%).
Chávez governou por 148 meses. Atravessou os 14 anos no poder debitando seu fracasso às “más” notícias divulgadas pela imprensa e à conspiração global do imperialismo-anarco-capitalista.
Com a tevê da “boa” notícia, o governo Bolsonaro nem mesmo inova. Apenas insiste em culpar a janela pela paisagem verde-amarela.