Começou quarenta anos atrás. Já é a mais antiga obra pública paralisada. Sobrou uma imenso canteiro repleto de maquinário antigo, armazéns fechados e estruturas semiconcluídas compondo um cenário de abandono e desperdício em meio à bela paisagem do litoral de Angra dos Reis (RJ).
Ali, o Brasil já enterrou ali 11 bilhões de reais. E a usina nuclear Angra-3 continua parada. Nesta semana, a empresa estatal Eletronuclear se rendeu ao fracasso de mais uma tentativa de retomar a construção: confirmou a rescisão do contrato de serviços de engenharia que havia assinado e comemorado no verão de 2022.
A usina é o símbolo agonizante de uma aventura nuclear brasileira que começou nos anos 70, com o general Ernesto Geisel, e prossegue inconclusa com Lula. Já foi tema de nove reuniões ministeriais neste ano, a última aconteceu na semana passada na Casa Civil da Presidência. O governo Lula, como os antecessores, não sabe o que fazer com Angra-3.
Algumas das dúvidas atuais são muito parecidas com as de quatro décadas atrás. Não se sabe, por exemplo, quanto vai custar nem qual seria a tarifa de energia necessária para pagar o investimento.
Nesta quarta-feira (20/6), o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, admitiu que o governo não chegou a uma conclusão — “uma definição estratégica” — sobre a viabilidade econômica da usina. Significa que ainda não há decisão sobre a continuidade ou não da obra iniciada há exatos 40 anos.
A agonia de Angra-3 não é só econômica, também é tecnológica. O modelo de Angra-3 data de quatro décadas e é idêntico ao da “modernizada” usina de Grafenrheinfeld, que o governo alemão retirou de operação por razões de segurança depois do acidente em Fukushima, no Japão.
Redesenhar a usina a partir do zero não consta dos planos governamentais. Mas o custo de terminar a obra tende a superar 17 bilhões de reais, dinheiro inexistente num país acossado pelo desequilíbrio nas contas públicas. O governo não sabe o que fazer com Angra-3, mas isso também custa caro: 100 milhões de reais por ano apenas para armazenar os equipamentos comprados da Alemanha. Parte deles chegou ao canteiro de obras há um par de anos, depois do pagamento de 5 bilhões de reais.
* A versão da empresa estatal Eletronuclear
Na sexta-feira (21/6), a empresa estatal Eletronoclear divulgou nota afirmando que o projeto de Angra 3 — “datado de quatro décadas”, como informa a coluna — não estaria “ultrapassado”. Argumenta: “Basta analisar o cenário do setor nuclear ao redor do mundo para entender que a afirmação está equivocada. A terceira usina nuclear brasileira será uma ‘irmã gêmea’ de Angra 2, que é uma das que mais se destaca em termos de produção em usinas semelhantes de outros países.”
Acrescenta: “Em relação à segurança do modelo, ponto que aborda de maneira equivocada o acidente em Fukushima, é válido destacar que o setor nuclear internacional possui um rigoroso processo de segurança e intercâmbio de informações, que permite a análise e posterior implementação de medidas que diminuem consideravelmente os riscos de novos incidentes da mesma origem.”
Prossegue: “Inclusive, em setembro de 2011 foi criado um Comitê Gerencial de Resposta à Fukushima com a atribuição de elaborar o Plano de Resposta à Fukushima, que passou pela análise e aprovação do nosso órgão regulador – Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) – e da World Association of Nuclear Operators (WANO). O “Plano Pós-Fukushima foi integrado no escopo do projeto das duas unidades da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA) e as melhorias necessárias foram implementadas.”
“Angra-3”, complementa, “terá o reator de água leve pressurizada (PWR), modelo mais utilizado no planeta nos equipamentos em pleno funcionamento, além dos que estão em construção. Desta maneira, é válido pontuar que não houve grandes avanços tecnológicos na área estrutural. Portanto, apesar de ter boa parte da obra civil já construída – cerca de 65% – Angra-3 não vive uma ‘agonia tecnológica'”.
Sobre os equipamentos já comprados, ressalta, “a maior parte deles se encontra estocada em galpões mantidos pela empresa na CNAAA – totalizando cerca de R$7,5 bilhões – além de outra parte que fica na sede da Nuclep, em Itaguaí, também no Rio de Janeiro.”
A Eletronuclear acha que “a rescisão de contrato com o Consórcio Ferreira Guedes – Matricial – Adtranz não é vista como um retrocesso nas circunstâncias atuais, e sim como a solução de um problema, pois o Consórcio demonstrou a incapacidade de atingir os níveis de qualidade e exigência para uma obra nuclear.”