Impasse com a Argentina: Guedes ameaça “estourar a gaiola” do Mercosul
Abrir a economia é decisão de governo, indicou o ministro ao Senado: "A hora para nós é agora.” Haverá um corte de 10% em todas as tarifas de importação
A Argentina é o único lugar que importa no qual o Brasil é importante, costuma dizer o diplomata Marcos Azambuja, ex-embaixador em Buenos Aires.
Para Paulo Guedes, ministro da Economia, a Argentina já não importa tanto.
Ontem, em audiência no Senado, ele deixou claro que depois de um ano de negociações decidiu-se dar um ultimato ao governo Alberto Fernández, ainda relutante em aceitar uma redução de 10% nas tarifas de importações do Mercosul, associação entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
“Nós vamos abrir a economia” — disse. “O Brasil é grande demais para ficar preso numa gaiolinha. Ou nós transformamos isso aí [o Mercosul] num negócio um pouco maior pouco, mais dinâmico, ou o Brasil vai estourar a gaiola.”
Pelo acordo do Mercosul, ratificado pelo Congresso, todas as decisões sobre tarifas de importação precisam ser consensuais. Há uma base comum na taxação (14%) das compras feitas fora do bloco. A Argentina, em grave crise econômica, prefere manter a tarifa externa comum intocada. Mas Guedes tem pressa.
Abrir a economia agora é decisão de governo, ele indicou aos senadores. O chanceler Carlos França confirmou o apoio do Uruguai. E o ministro da Economia supõe dispor de argumentos sensíveis para convencer o Paraguai a “descer do muro”. Visto de Brasília, a Argentina está isolada.
Acossado por uma inflação que beira os dois dígitos, na média nacional dos preços ao consumidor, o governo brasileiro pretende impor ainda neste semestre um corte linear de 10% nos custos das importações de alimentos, automóveis, equipamentos, materiais de construção, insumos industriais e agrícolas, entre outros. O objetivo, segundo Guedes, é estimular a concorrência com produtores nacionais hoje protegidos pela tarifa externa comum do Mercosul.
“Compreendemos os problemas da Argentina, mas nós queremos compreensão para os nossos problemas também. E a hora para nós é agora” — disse. “Nós vamos fazer um movimento moderado, mas decisivo: corte de 10% em todas as tarifas, e vamos fazer com todo cuidado.” Um produto cuja tarifa de importação no Mercosul esteja em 30% vai cai para 28%, mencionou como exemplo da “moderação” planejada e, segundo ele, já negociada com a indústria — “nos reunimos a cada 45 dias”.
Diplomacia, certamente, não é virtude de Guedes: “Uma coisa que você não pode dizer na linguagem diplomática, mas que como brasileiros nós temos que ter noção das coisas, é o seguinte: não é o Brasil que fica onde o Mercosul manda, é o Mercosul que tem que ser conveniente para o Brasil.”
O ministro da Economia tem argumentos sólidos para pressionar por mudanças estruturais no bloco.
Um é a ansiedade de fim de governo em tentar fechar acordos de livre comércio com a China, os Estados Unidos e, se possível, viabilizar o que já foi negociado com a União Europeia, mas está pendente pelo conflito aberto por Jair Bolsonaro com líderes da França e da Alemanha sobre as políticas públicas na Amazônia.
Outro é o declínio do Mercosul no comércio brasileiro. No final dos anos 90 representava 18% de tudo que o país comprava e vendia ao exterior. Caiu para 6% nos últimos doze meses. “Está ficando irrelevante para o Brasil, e não queremos isso”, comentou.
Ao ameaçar estourar a “estourar a gaiola”, Guedes foi ao limite, sinalizando ao Senado com a possibilidade de um “Brexit” brasileiro do Mercosul.
Como os países-sócios construíram um bloco com dimensões muito além da economia, o impacto do rompimento da aliança seria grande, com múltiplos reflexos. E não se conhece nenhum plano do governo brasileiro para uma eventual saída do Mercosul, única região onde o Brasil continua a ter relevância.