Lula vai receber o certificado de eleito do Tribunal Superior Eleitoral na segunda-feira 19 de dezembro e, uma dúzia de dias depois, toma posse no Congresso.
Esse é o ritual, mas, de fato, começa a governar já a partir da próxima segunda-feira. E tem apenas três semanas para fechar um acordo com o Congresso sobre o orçamento de 2023. Corre contra o tempo, porque novembro é o mês de fechamento da folha de pagamentos de janeiro.
Não é mera questão administrativa, trata-se do ato político mais relevante para a estreia do seu governo.
Ele acaba de se eleger presidente de um país dividido, governado por um adversário ressentido e que decidiu não reconhecer publicamente a derrota para manter seus eleitores mais radicais mobilizados.
O problema de Lula, agora, é neutralizar a cacofonia nas ruas na abertura do seu terceiro mandato no Palácio do Planalto. Aposta em acordo rápido sobre o orçamento para superar a estridência da oposição bolsonarista.
É a partir dele que poderá anunciar, no discurso de posse, o pagamento de ajuda financeira de R$ 600 por mês a 20 milhões de famílias inscritas no Auxílio Brasil.
É o que vai lhe permitir, também, garantir um aumento do salário mínimo acima da inflação — possivelmente, de 1,5% no primeiro ano.
É a principal referência financeira na vida de 35 milhões de pessoas (37% da população ocupada). Tanto daquelas que ganham até R$ 1.212 por mês em empregos formais quanto das que usam esse parâmetro na oferta de trabalho informal.
Tem, ainda, impacto direto na renda básica de outros 80 milhões de pessoas beneficiárias dos sistemas de proteção social da União, Estados e Municípios.
A Previdência brasileira tem uma das maiores folhas de pagamentos do mundo. Vai completar um século de existência exatos 23 dias depois da posse de Lula.
Há outros dois itens relevantes pendentes de definição no orçamento.
Um deles é a atualização da tabela do Imposto de Renda para cumprir promessa de campanha (isenção sobre rendimentos de até R$ 5 mil por mês), com efeito sobre finanças das famílias de classe média.
Outro é o impasse com os governos estaduais sobre a tributação reduzida de produtos essenciais, como combustíveis, energia elétrica, comunicações e transportes coletivos.
A incerteza sobre a arrecadação travou o fechamento de 27 orçamentos, porque o ICMS é a principal fonte de receita dos estados.
Resolver essa equação financeira requer habilidade na negociação com o bloco de centro-direita, majoritário no Congresso. E, também, uma engenharia financeira – ainda não se conhece a dimensão do rombo nas contas públicas de 2023. Por enquanto, a única certeza é a de que o país vai viver o quarto ano seguido de “estado de emergência” na economia.
Para Lula, a notícia mais promissora da semana foi o resultado do teste de Geraldo Alckmin como chefe da equipe de transição de governo.
Vice presidente, por duas décadas ele negociou e governou o segundo maior orçamento da República, o do estado de São Paulo. Em Brasília, entre terça e quarta-feira, abriram-lhe todas as portas no Legislativo e no governo (Jair Bolsonaro deixou o retiro e foi ao Palácio do Planalto para cumprimentá-lo).
Foi um bom começo, mas resta um longo caminho até 16 de dezembro, quando o Congresso deve votar o orçamento de 2023.
O êxito nas negociações pode garantir ao novo governo alguma tranquilidade na estridência bolsonarista até março, pelo menos.
Nessa época, a bancada fiel a Bolsonaro, estimada em 40 entre 584 parlamentares, prevê apresentar o primeiro pedido de impeachment de Lula.
Seria uma ironia histórica: entre 1990 e 2002 o PT de Lula apresentou meia centena de petições contra presidentes — depois da primeira, contra Fernando Collor, naufragou em todas.