Marçal já preocupa Bolsonaro e aliados do PL como ameaça à direita
Os maiores danos provocados pelo candidato estreante estão acontecendo no coração do bolsonarismo, à margem da campanha eleitoral paulistana
Semanas atrás, Jair Bolsonaro resolveu flertar com a candidatura de Pablo Marçal para pressionar Ricardo Nunes a aceitar um dos seus escudeiros como candidato a vice na disputa pela reeleição à prefeitura de São Paulo.
Nunes relutava, entre outras razões, porque as pesquisas indicavam Bolsonaro com alta rejeição (acima de 60%) no eleitorado da cidade de São Paulo, seguido por Lula (acima de 45%). E mais: metade dos paulistanos diziam preferir alguém “independente”.
Bolsonaro adulou Marçal, contra a opinião de parte da família. O candidato do PRTB aproveitou a chance, e incorporou o público bolsonarista às suas redes sociais.
Nunes aceitou o jogo de Bolsonaro, com manifesta antipatia, na expectativa de preservar os votos do eleitorado bolsonarista. Incluiu Ricardo Mello Araújo, ex-diretor da Ceagesp e antigo comandante da unidade “boina preta” da Polícia Militar, a Rota, reconhecida pela truculência com letalidade.
Nas últimas oito semanas, Nunes (MDB) não avançou na média das pesquisas, que continua dividindo a liderança com Guilherme Boulos (Psol), candidato escolhido por Lula. Aparentemente, o prefeito não deve isso ao seu vice bolsonarista, mas às próprias falhas em ampliar a preferência entre eleitores de centro.
Quem mais avançou entre eleitores identificados com Bolsonaro foi Marçal, estreante na política e controvertido empresário que amealhou fortuna como animador de auditório, entre outras atividades conhecidas.
Ele cresceu um pouco — de 10% para 14% na preferência eleitoral, considerando-se a média das pesquisas até quarta-feira (21/8). Ampliou a preferência na fração de eleitores à direita como aprendiz de Bolsonaro: desqualificou adversários, principalmente Nunes, num debate na televisão e reproduziu os ataques nas rede para multiplicar a repercussão.
Ganhou cerca de quatro pontos percentuais em três semanas. Isso é expressivo numa disputa apertada em que os líderes patinam num patamar inusualmente baixo — 23% na média.
No entanto, os maiores danos provocados por Marçal estão acontecendo à margem da campanha paulistana.
Ele passou a ser percebido como potencial ameaça ao futuro de Bolsonaro na liderança do eleitorado que o levou ao Palácio do Planalto em 2018 e se manteve fiel no voto em 2022.
O debate atual na família Bolsonaro e aliados no Partido Liberal, que abriga e sustenta o ex-presidente, ecoa um provérbio (“Cria corvos… e eles te arrancarão os olhos”) tomado emprestado pelo cineasta Carlos Saura numa alegoria política de 1976 sobre perdas e incertezas, em cenas embaladas na melancolia do tema musical “Por que se vai?”