O governo mantém um canal eletrônico exclusivo para a produção e o tráfego de documentos oficiais. É conhecido pela sigla Sidof, abreviatura de Sistema de Geração e Tramitação de Documentos Oficiais do Governo Federal.
Semana passada o ministro do Turismo, Gilson Machado Neto, usou a rede para avisar (Ofício Circular nº 88/2021/GM) que está pronta a proposta de um decreto de Jair Bolsonaro para imposição de censura na internet.
Não se conhece o autor da ideia e nem da encomenda, mas ao subscrever o resultado, o ministro Machado Neto se candidatou a protagonista de um momento de (péssimo) humor burocrático com perda de tempo e de dinheiro público: o rascunho de uma ordem presidencial para que o governo assuma o controle das plataformas de redes sociais — em defesa “dos direitos e garantias dos usuários”.
Pela “Exposição de Motivos” (EMI nº 00030/2021) que acompanha a minuta de decreto presidencial, uma seção do ministério comandado por Machado Neto — a Secretaria da Cultura — passaria a ter funções equivalentes às de um tribunal das redes sociais.
Assumiria poder de controle sobre a atuação de provedores de redes sociais, como Facebook e Twitter, sancionando quem desse algum desprazer ao governo na moderação de conteúdos publicados em grupos de conversas eletrônicas.
Num exemplo, as empresas poderiam ser sancionadas por vetar mensagens negacionistas de Bolsonaro, como já ocorreu quando ele exaltou o “tratamento precoce” da Covid-19 com derivados de cloroquina — cientificamente comprovado como ineficaz e com risco de morte para os doentes.
Machado Neto costuma se apresentar como militante “de direita”, herdeiro político do falecido tio Gilson Machado, empresário que foi deputado federal nos anos 80.
O tio entrou na política como representante sindical dos usineiros de cana-de-acúcar. Se destacou no ultraconservadorismo pernambucano pela defesa da instauração da pena de morte e da preservação dos subsídios estatais aos então semi-falidos produtores de álcool e açúcar.
Machado Neto, veterinário de profissão, é líder da banda “Forró da Brucelose” — nome emprestado de uma doença bacteriana prevalente nos rebanhos leiteiros e transmissível a humanos. Ascendeu em Brasília como sanfoneiro-animador em celebrações para Bolsonaro.
Com o projeto de decreto presidencial para restauração da censura, agora na internet, o ministro do Turismo deu uma nota tragicômica à crise governamental em meio ao descontrole da pandemia.