Na Argentina, a trama eleitoral se complica para o ministro Massa
Inflação de alimentos perto de 400%, escassez de combustíveis e escândalo de espionagem contra juízes e políticos abalam o peronismo a reta final da eleição
A trama se complica na Argentina. A dez dias da eleição presidencial, o candidato Sergio Massa encontra-se sob uma torrente de más notícias, quase todas produzidas pelo governo peronista, que ele representa.
Duas semanas atrás, Massa realizou uma proeza eleitoral. Venceu o primeiro turno (com 36,4% da votação). Estava em terceiro lugar na maioria das pesquisas, mas acabou atropelando com 1,7 milhão de votos de vantagem o deputado Javier Milei, conhecido como “El Loco”, líder de uma coalizão de extrema-direita.
Massa, de novo, aparece atrás de Milei em quase todas as pesquisas sobre o segundo turno, no domingo 19.
Em teoria, a máquina eleitoral peronista poderia repetir o desempenho com a mesma eficácia que surpreendeu toda a direita argentina.
Na prática, ficou mais difícil. Porque as circunstâncias mudaram, com as crescentes dificuldades operacionais do governo, e do próprio Massa na condução da política econômica, além da ampliação das divergências dentro do partido peronista.
A mais evidente é o ritmo de avanço da inflação. O governo perdeu a capacidade de controlar preços. O tabelamento de cinco mil produtos existe nos papéis oficiais, mas na vida real beira a 400% o aumento anual de preços em alimentação.
A média geral, a ser divulgada pelo governo na reta final da campanha presidencial, semana que vem, é de inflação de 150% nos últimos 12 meses.
A percepção de descontrole da economia reforçada pela escassez de combustíveis. Sem reservas cambiais, a Argentina não tem como pagar a maior parte das importações que necessita, entre elas as de gasolina e óleo diesel. As filas nos postos de abastecimento em quase todo o país são um novo complicador para a situação eleitoral de Massa.
Outro aspecto relevante é a exposição pública da autofagia peronista. No primeiro turno, Massa conseguiu mobilizar o partido da evidente equidistância do presidente Alberto Fernández e da vice Cristina Kirchner, entretidos em disputas pessoais e, também, com o candidato governista.
As fissuras no peronismo se ampliaram com revelações sobre uma engrenagem paraestatal de espionagem doméstica que, aparentemente, tem como beneficiária a vice-presidente Cristina Kirchner, acusada de corrupção.
O Ministério Público argentino apresentou à Justiça uma denúncia sobre a existência de centenas de relatórios de espionagem de juízes, deputados, senadores, promotores e jornalistas.
A vigilância intensiva teria começado em 2014, foi operada por policiais e colaboradores do serviço secreto estatal, e teria sido mantida com financiamento de aliados de Kirchner.
Paradoxalmente, grande parte dos alvos dos espiões eram peronistas – entre eles, o próprio Massa e outros personagens que, atualmente, ocupam áreas-chave do governo de Fernández e da campanha presidencial governista.
O material apreendido na investigação do Ministério Público inclui 19 videos gravados em sigilo. O procurador federal Gerardo Pollicita diz ser impossível, por enquanto, precisar o número de pessoas espionadas. É certo, segundo o Ministério Público, que juízes da Suprema Corte foram espionados. Eles estão submetidos a julgamento político organizado por Cristina Kirchner, que alega perseguição judicial em processos por corrupção.
A máquina peronista virou um problema eleitoral para o candidato Massa só comparável ao avanço do adversário “El Loco” Milei sugerido na quase totalidade das pesquisas sobre o segundo turno.