O calendário é implacável: faltam apenas sete anos para o Brasil completar meio século estagnado no baixo crescimento econômico. O ano de 2030 está na esquina do tempo, à distância de mais sete réveillons, duas Olimpíadas e um par de Copas do Mundo.
Restam 84 meses. Se nada mudar, será o marcador de um longo ciclo de frustrações com o esquálido desenvolvimento e a desigualdade social recorde, que começam a derivar em sinais de desordem no sistema institucional. Por enquanto, a névoa espessa dos impasses políticos não deixa vislumbre de consenso sobre a melhor rota de fuga para o futuro.
O país tem perdido relevância. Estancado há quatro décadas e meia, deixou encolher sua participação no mapa-múndi da produção de riqueza na era da computação portátil e da inteligência artificial — caiu de 4,3% em 1980 para 2,3% do PIB global no ano passado, informa o Fundo Monetário Internacional.
“O Brasil voltou”, celebra-se na propaganda governamental sobre o retorno ao grupo das dez maiores economias, depois de breve estadia na décima primeira posição. Qualquer avanço sempre é boa notícia, mas é saudável não perder a perspectiva: PIB nesse patamar (2,13 trilhões de dólares) revela uma economia exígua para 203 milhões de habitantes. Segue inferior à da Itália, cuja população equivale a um terço da brasileira.
Sob a lente da desigualdade social, continua sendo um país de 2 milhões de pessoas com renda média quase quarenta vezes superior à dos 100 milhões mais pobres. Chegou à segunda década do século XXI com nível de concentração de renda melhor, segundo a ONU, que o do Zimbábue, no sul da África, onde sete em cada dez sobrevivem com menos de 800 reais por mês. E pior que o da Guatemala, na América Central, onde o narcotráfico disputa mão de obra com as lavouras de café, banana e cardamomo. Por outros critérios, adotado por instituições financeiras privadas como o banco suíço UBS (Global Wealth Report 2023), é o líder mundial em desigualdade social.
“Falta consenso para resgatar o país de meio século de estagnação”
Desde os anos 1980 houve uma significativa mudança no tamanho das famílias brasileiras, com redução do número de filhos à metade — de quatro para dois, na média. O país fez em curto tempo uma transição demográfica que Europa e Ásia demoraram mais de um século para realizar. No fim daquela década, quando Lula estreou no ofício de candidato presidencial permanente do Partido dos Trabalhadores, eram notáveis as similaridades no estágio de desenvolvimento do Brasil com o da China, da Índia, da Espanha e da Coreia do Sul. Dentro de mais quatro anos, os sul-coreanos, por exemplo, devem alcançar renda média (70 200 dólares) dois terços acima do patamar da dos brasileiros, de acordo com as projeções do FMI.
Perdeu-se a batalha pela modernidade na segunda metade do século passado. Basicamente, pelo desleixo — uma opção política — com as deficiências estruturais no sistema educacional. De cada 100 brasileiros com direto a voto, apenas vinte têm acesso à universidade. Outros oitenta simplesmente ficaram à margem, sem chance de acesso até mesmo à educação profissionalizante. Em 2012, dois a cada dez jovens de 15 a 29 anos não estudavam nem trabalhavam. Dez anos depois esse quadro permanece igual, mostram dados coletados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Os resultados da mais recente avaliação dos sistemas educacionais em 81 países, exame periódico conhecido como Pisa, mostram os brasileiros emoldurados no grupo dos trinta piores em matemática, ciências e leitura, três a cada quatro estacionados no nível inferior de capacidade de raciocínio dedutivo. Visto de outra forma, os melhores do Brasil encontram-se num estágio de aprendizado e conhecimento equivalente ao dos piores estudantes do Sudeste Asiático.
Em dezembro de 2013, esse atraso nacional foi tema de uma longa e rara conversa entre ex-presidentes brasileiros. Aconteceu durante viagem de Lula, Dilma, Fernando Collor, José Sarney e Fernando Henrique Cardoso à África do Sul para o funeral de Nelson Mandela. Seis meses antes, a população derramara nas ruas o seu fastio com a escassez de alternativas. No avião ficou evidente a indisposição ou incapacidade para um mínimo de consenso entre os diferentes condomínios políticos sobre o futuro do país, que já não é mais o que costumava ser. Desde então, assistiu-se a um regresso na história, condimentado com pitadas de psicopatia na Presidência de Jair Bolsonaro.
A estrutura política feneceu. Sem acordo, não se vislumbra o novo. Em meio à densa névoa política, o exercício do poder está cada vez mais limitado à gerência do atraso.
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Publicado em VEJA de 5 de janeiro de 2024, edição nº 2874