Lula se enredou na diplomacia do espetáculo. Sem ideias novas, agora recicla as antigas. Um exemplo é a proposta de um programa mundial para redução da fome e da pobreza.
É o mesmo projeto que ele apresentou no plenário da ONU vinte anos atrás, inspirado na criação de um imposto transnacional sobre a riqueza, como na época defendiam alguns governantes latino-americanos, entre eles, seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.
No marketing político, ensinou o publicitário Duda Mendonça, nada se perde, tudo se maquia. E Lula está aí, de novo, reciclando o Fome Zero global — a versão nacional ele engavetou em 2003 por sugestão de Mendonça, quando completou 100 dias do primeiro governo.
Sem estratégia clara e objetiva para o jogo de poder dos EUA e da Europa com a China, o governo limita-se a contemplar consequências na paisagem verde-amarela.
Uma delas é o progressivo aumento da dependência brasileira do comércio com os chineses, com um terço do total das exportações dirigido a esse mercado e quase 80% das vendas concentradas em apenas três matérias-primas (soja, minério e petróleo). Outro efeito é a estagnação dos investimentos americanos e europeus, que continuam hegemônicos no suprimento de capital estrangeiro.
Ambiguidades excessivas na política externa deixaram Lula numa espécie de limbo, circunscrito ao ativismo voluntarista que caracteriza a diplomacia do espetáculo.
Em Washington, é criticado pelos republicanos de Donald Trump e visto com desconfiança pelos democratas liderados por Joe Biden e Kamala Harris. Levou-os a acreditar que o Brasil foi além da linha da independência e da autonomia no flerte com China, contrapondo-se aos Estados Unidos. Uns acenam com futuras sanções, outros o criticam por “papaguear” propaganda antiamericana.
Em Pequim, sobram sorrisos amarelos. Preocupado com o rumo das eleições nos EUA, que pode derivar em novas ameaças de estrangulamento do fluxo de mercadorias para a China, o governo de Xi Jinping está acelerando importações de insumos de todo tipo (aumento de 16% no ano passado e de 6% até maio).
“Diplomacia do espetáculo deixou Lula sob fogo cruzado no exterior”
Está agora exigindo do Brasil uma espécie de prova de “amor”: rápida adesão ao plano chinês de comércio, com foco na garantia de abastecimento de matérias-primas (cereais, carnes, minerais e petróleo) — projeto conhecido como Rota da Seda. O Brasil, no entanto, ainda não definiu e nem sabe o que quer da proposta chinesa.
Essa relutância decorre, em parte, do receio de reações negativas dos EUA e de aliados na Europa. Mas se deve, principalmente, à inexistência de uma política que vá além do ativismo voluntarista enraizado no antiamericanismo dos anos 60 e reflita, com realismo, a diversidade de visões e interesses nacionais.
O projeto de liderança regional, pela ressurreição da União de Nações Sul-Americanas, acabou em fiasco. Foi torpedeado na solenidade de lançamento, no ano passado, pela contundência das críticas dos presidentes do Uruguai, o liberal Luis Lacalle Pou, e do Chile, o socialista Gabriel Boric. O Mercosul segue à deriva, sem perspectiva de resgate.
Lula fez duas grandes apostas eleitorais na América do Sul nos últimos dezoito meses. E perdeu. Jogou suas fichas no ditador Nicolás Maduro, retirando-o do isolamento para uma recepção com pompa em Brasília. Achou que poderia induzi-lo à “conversão” democrática. Deu no que deu: ao vislumbrar o fim da sua cleptocracia, Maduro insinuou reação com um “banho de sangue” na Venezuela; quando Lula retrucou medindo as palavras, o ditador o aconselhou a tomar chá de camomila.
Outra aposta eleitoral frustrada foi na disputa presidencial da Argentina. Como havia feito na Venezuela com os amigos Maduro e Hugo Chávez, Lula mobilizou seu governo e o PT em apoio aos amigos peronistas. Pela interferência indevida, paga o preço das críticas atrevidas de Javier Milei, que venceu nas urnas.
O cenário externo para o restante do mandato não é dos melhores. Terá dificuldades com o vencedor da eleição americana, seja o republicano Donald Trump ou a democrata Kamala Harris. Ao norte, na Venezuela, a oposição deverá cobrar-lhe o apoio permanente à cleptocracia chavista. Ao sul, continuará no alvo de Milei. E, como já se vê, enfrentará pressão crescente da China, dos EUA e da Europa para alinhamento no jogo de poder global. Lula vai precisar de algo mais do que o ativismo voluntarista na diplomacia para escapar do fogo cruzado externo até o fim do mandato.
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Publicado em VEJA de 26 de julho de 2024, edição nº 2903