O ano começou com um discreto debate partidário sobre o futuro sem Lula e Jair Bolsonaro. À esquerda e à direita procuram-se sucessores para os dois políticos brasileiros mais conhecidos, que atravessaram os últimos seis anos enganando o tempo com infâmias e intrigas mútuas, para alegria das respectivas torcidas.
Aos 78 anos, Lula está no terceiro governo. Se quiser, poderá disputar o quarto mandato em 2026. Nessa época, estaria com 81 anos, mesma idade de Joe Biden, que planeja tentar a reeleição em novembro. Por lei, seria sua última chance antes de virar nonagenário. Já completou 34 anos seguidos no ofício de candidato presidencial do Partido dos Trabalhadores, contados desde a primeira campanha em 1989.
Dias atrás, num comício em São Paulo, discursou com picardia sobre a voracidade do tempo: “Esse jovem que vos fala quer viver até 120 anos de idade. Eu peço para Deus todo dia: ‘Se você quiser me levar, coloque outro, deixa eu aqui, eu tenho tarefa aqui, eu tenho muita coisa aqui…’. Eu já vivo com vocês há mais de cinquenta anos. Tem gente aqui que era meu colega. Eu fui colega da filha dele, agora sou colega do neto, vou ser colega dos bisnetos… Para que me levar? Estou tão quieto aqui, sou tão bonzinho… Leve alguém, mas deixa eu aqui”.
Jair Bolsonaro, seu antagonista predileto, é uma década mais jovem. Surfando com habilidade na galáxia das redes sociais, conseguiu realizar a proeza de tornar-se tão popular quanto Lula em apenas cinco anos. Mas, fascinado com o próprio espetáculo de autoritarismo presidencial, acabou por envenenar seu futuro. Ficou inelegível até 2030 e agora vagueia na planície, banido dos páreos eleitorais. Pode pensar no retorno aos 75 anos de idade, porém, a rota é longa e tortuosa. Inclui sete anos no ostracismo e ainda vai depender do êxito na defesa em tribunais, na dezena e meia de processos pendentes.
“Partidos já debatem o futuro da política sem Lula e Jair Bolsonaro nas urnas”
Marginalizado na política, Bolsonaro se ressente da perda da perspectiva de poder e dos efeitos da busca do seu substituto pelas frações da direita aliadas nas eleições de 2018 e de 2022. Fracassou na reeleição, mas obteve 58,2 milhões de votos (49,1% do total). Nos oito meses seguintes viu-se condenado em dois julgamentos da Justiça Eleitoral sem qualquer manifestação de solidariedade nem mesmo do talibanismo tropical e carnavalesco, sua principal obra política.
Sujeito oculto na barbárie do 8/1, agora transparece com imagem radioativa: oito em cada dez dos seus eleitores desaprovam a incitação à insurreição, mostra a pesquisa Genial/Quaest da semana passada. Está nostálgico das multidões: “Jogaram um balde de água fria nos movimentos de rua”, admitiu ao repórter Leandro Magalhães no veraneio em Angra dos Reis (RJ). “Estão manietados e pouco ou nada pode se fazer (…). Olha o meu caso, meu Deus do céu!”.
Bolsonaro começou a ficar isolado no dia seguinte à derrota, quando partidos agrupados no Centrão correram para ajudar o vitorioso. Queriam garantir que, enquanto a esquerda estiver no poder, a direita terá o governo em casa, e, quando a direita voltar a subir a rampa do Planalto, o governo continuará em casa.
O pacto de Lula com essa coalizão dominante no Congresso assegurou-lhe estabilidade no primeiro ano de governo. Ela ficará exposta à natural corrosão nas eleições para prefeituras, no segundo semestre, e tem chance de sobrevida até a pré-temporada da eleição presidencial na metade de 2025. A partir daí, intensifica-se a guerra política pelo controle do governo e pelo poder de decisão sobre o destino dos recursos do Estado.
PT e aliados começaram a antever o horizonte sem Lula — o “day after”, na definição do ministro Fernando Haddad, da Fazenda, ao repórter Alvaro Gribel. Por décadas, ele tem sido “uma muleta” eleitoral para esse condomínio partidário, exercendo um “poder moderador” na disputa entre múltiplas frações de esquerda, reconhece Arlindo Chinaglia, ex-presidente da Câmara.
A aflição com o futuro permeia o debate e tensiona a relação entre petistas. Ela gravita em torno da seguinte questão: sem Lula, o PT conseguirá ficar unido? A escassez de alternativas não deixa muita margem para otimismo. Alguns dirigentes, como Valter Pomar, acham urgente a resolução de impasses internos. Num cenário sem Lula e com as atuais divergências, argumenta, “nosso partido corre sério risco de fragmentação”. Faltam definições elementares, complementa Haddad. Uma delas é a proposta do PT para o desenvolvimento do país.
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Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875