Lula e Jair Bolsonaro estão “precificados”, repetem operadores do mercado financeiro.
Atribui-se a expressão aos etiqueteiros de supermercados, responsáveis por mudar os preços das mercadorias, na hiperinflação dos anos 80.
Mudavam tanto, e tão rápido, que as pessoas perderam a noção do valor do dinheiro. Como se sabia o preço de tudo e o valor de nada, ir às compras se transformou numa operação de risco: a pessoa podia sair de casa planejando comprar um quilo de carne e voltar com uma vassoura. Chegava ao supermercado e era surpreendida pelo anúncio de um produto cujo preço havia despencado. Parecia mínimo, ninguém resistia.
A psicóloga Beth Leitão fazia compras, quando seu filho, uma criança, se assustou:
— Mãe, todo mundo está virando bruxo.
Ela olhou e viu uma horda saindo com vassouras nas mãos. O preço tinha desabado numa promoção daquele mercado.
— É melhor a gente levar uma vassoura para nós também, mãe — sugeriu Frederico, personagem de Miriam Leitão no belo livro “Saga brasileira — A longa luta de um povo por sua moeda”.
Três décadas e meia depois, a inflação está de volta, corroendo os bolsos dos pobres, que são donos de oito de cada dez votos disponíveis no mercado eleitoral.
Empresários, de maneira geral, têm deixado claro que não percebem muitas diferenças entre os líderes nas pesquisas eleitorais.
Para eles, descontada a retórica “populista” — expressão vaga demais —, Lula e Bolsonaro se equiparam na falta de lógica, de firmeza e de consistência no projeto de um país para o futuro. Citam sempre aspectos fundamentais como Educação, Saúde, mudança da base de produ;’
Cão industrial, estímulo à tecnologia e inovação, e, principalmente, melhor distribuição da renda com equilíbrio das contas públicas.
Daí, a igualdade na “precificação”, ou seja na aposta de que, com um ou outro, a desestabilização fiscal não iria muito além do que cenário pré-definido para autoproteção do próprio capital, com limites estimados de perdas ou ganhos.
É uma forma de administrar riscos. Não quer dizer, necessariamente, que seja a melhor e a mais correta. É somente a atitude reflexiva dos donos do capital em relação à geleia política na qual está um país de 213 milhões que vai completar quatro décadas de desenvolvimento econômico estagnado.
Trinta anos atrás, Brasil e Coreia do Sul pareciam disputar uma corrida pela modernização de suas bases industriais, para aumentar seu poder de competição no mercado mundial.
Hoje, a Coreia do Sul é a quinta maior economia em registro de patentes industriais, resultado de políticas públicas coerentes de investimentos em inovação, pesquisa e desenvolvimento. O Brasil ficou na metade do caminho, em 57º lugar entre 132 países acompanhados pela Organização Mundial de Propriedade Industrial.
O capital político de Lula e Bolsonaro está expresso nas pesquisas. Juntos, detêm mais de 60% das intenções de voto a seis meses da eleição presidencial. Nessa zona de conforte ainda não se deram ao trabalho de apresentar suas ideias.
Lula, por enquanto, desfila um passado remoto de bonança econômica — o ciclo de valorização das commodities — pontuado por promessas questionáveis sobre um Estado forte, nacionalista, organizado a partir de categorias profissionais, muitas delas em risco de extinção.
Bolsonaro vagueia com mimetizações do totalitarismo integralista dos anos 30 do século passado. “Deus, Pátria, Família” foi estandarte de Plinio Salgado, que o adversário Barão de Itararé logo converteu para “Adeus, Pátria e Família!”, como relata Claudio Figueiredo no excelente livro “Entre Sem Bater”.
São candidatos preferidos por seis de cada dez eleitores mas gastam o tempo em batalhas retóricas, à margem da vida real do eleitorado.
Sabe-se o que um pensa do outro, com todas vogais e consoantes. Lula acha o adversário “frágil” e “boçal”. Bolsonaro considera Lula “inimigo” e “bandido maior, que não um dedo na mão”. Essa troca de gentilezas ocorreu nas últimas 48 horas. Sugere uma campanha “sangrenta”, na linguagem do mundo político.
O que não se sabe é o que e como Lula e Bolsonaro pretendem fazer para garantir comida mais barata na mesa da maioria dos eleitores, acossados por uma inflação de dois dígitos que os empobrecem a cada ano (9% de perda de renda no ano passado). Ou como planejam melhorar o padrão dos serviços públicos de Educação, Saúde, Transporte e, efetivamente, mudar o rumo de um país estagnado.
É o grande mistério eleitoral de Lula e Bolsonaro. Um enigma, não “precificado”.