O pacote de Bolsonaro e do Centrão para tentar “segurar” a inflação
Se preveem medidas sobre energia, alimentos, combustíveis e finanças que mostrem o candidato em defesa de eleitores e empresas
Jair Bolsonaro se orgulha da forma como governa: “Ouso dizer que o Brasil é um dos países que menos sofre economicamente, levando-se em conta o mundo todo, aqui não tem desabastecimento.”
Bolsonaro deixa os problemas “impossíveis” para a Providência — contou ontem, em Goiânia, na Convenção Nacional das Assembleias de Deus: “Temos dificuldades sim, mas qual é a solução para a isso? É [ter] resiliência, é ter fé, é ter coragem, é acreditar. Por muitas vezes, dobrar os joelhos, e pedir uma alternativa. Nós sabemos que temos que fazer a nossa parte, mas deixar as coisas impossíveis nas mãos de Deus.”
A “parte” que lhe cabe no governo, hoje, é ganhar a eleição. Sua “resiliência” está sendo testada na desvantagem nas pesquisas (de 20 pontos) para o adversário Lula, do PT; na rejeição da candidatura à reeleição (acima de 50%); e, na manifesta falta de confiança dos eleitores (acima de 55%) naquilo que diz.
Não fala sobre os motivos, mas sabe que na origem está o eleitor que vai ao supermercado “e não consegue comprar um quilo de carne”, como diz Arthur Lira, presidente da Câmara e líder do partido Progressistas, locomotiva do esteio parlamentar do governo — o Centrão.
Por isso, deu sinal verde para um pacote de “alternativas” que estão sendo harmonizadas na Casa Civil, chefiada por Ciro Nogueira, sócio de Lira no comando do Progressistas, e de Valdemar Costa Neto, dono do Partido Liberal, no comando do Centrão.
Paulo Guedes (Economia) tem participação destacada nas discussões desse comitê de campanha, auxiliado por Adolfo Sachsida (Minas e Energia).
Se preveem para as próximas semanas um conjunto de medidas para “segurar” a inflação de forma perceptível à defesa dos interesses do eleitorado empobrecido e que, também, ajude a inflar o ânimo do empresariado no segundo semestre.
Algumas iniciativas estão desenhadas:
* Anular reajustes já aplicados na conta de luz (média de 20%);
* Aprovar teto (de 17%) para cobrança de impostos estaduais, ou seja ICMS, em bens e serviços, juridicamente definidos como “essenciais” — energia, telecomunicações combustíveis e transportes;
* Conceder isenção tributária ao capital estrangeiro na compra de títulos da dívida pública da União e, também, em investimentos determinados, como a compra de ações de empresas estatais — inicialmente, Eletrobras;
* Dar subsídios diretos ao consumo de óleo diesel a alguns segmentos, como os transportes de carga, transporte coletivo urbano e serviços de táxi;
* Ampliar programa de transferência de renda para alimentação;
* Trocar cartões de acesso ao Bolsa Família, originários dos governos Lula e Dilma, pelos do substituto Auxílio Brasil;
* Intensificar pressão pública sobre a Petrobras para que dê algum tipo de “contribuição” efetiva à campanha de reeleição — custeando direta ou indiretamente o represamento dos repasses de aumentos de preços de gasolina, diesel e gás de cozinha com o próprio lucro.
Essa é a operação mais complexa no plano eleitoral em montagem no Palácio do Planalto por causa das inúmeras salvaguardas criadas a partir dos prejuízos bilionários acumulados em má gerência e corrupção, na década passada.
Nesse enredo não há alternativa fácil, mas a disposição até ontem era a de ir ao limite, antes das eleições, se necessário com demonstrações de “coragem” do candidato Bolsonaro.
Descartado, por inviável, a abertura imediata de um processo de privatização, restariam atos de “resiliência” do governo em “tirar das suas costas a falta de sensibilidade” da companhia nessa crise econômica — como tem repetido o presidente da Câmara.
Nas mesas da Casa Civil circulam análises sobre mudanças, muito além de nomes e de regulamentos da presidência, da diretoria executiva e do conselho de administração da empresa.
Entre outras, está a venda de ações do BNDES (1%) e da subsidiária BNDESpar (6,9%) preservando as da União (28,7%).
Pelas projeções, resultaria numa transformação da posição do governo, que passaria a acionista minoritário.
Na teoria, é rota mais rápida do que a privatização. Mas não é simples, apesar do apoio que o governo calcula possuir no Congresso, a partir da experiência recente com a Eletrobras. No debate interno sobre aspectos legais já se prevê longo impasse nos tribunais.
Outro caminho seria alguma forma de declaração de emergência econômica, que permitisse a aplicação de uma “exceção” para medidas dessa natureza — e não necessariamente restrita à Petrobras. Como justificativa, sequelas da pandemia e da guerra a dez mil quilômetros de distância.
O ônus seria jurídico, estima-se. O bônus seria político, imagina-se: no tumulto, o candidato poderia mostrar que está fazendo a sua “parte”.
No mínimo, haveria barulho útil à campanha. Se na prática nada der certo, é porque o problema pertence à categoria das “coisas impossíveis” destinadas, como diz Bolsonaro, às “mãos de Deus”.