O governo avança no conflito com a CPI da Pandemia, agora com a resistência em entregar documentos requisitados sobre compras de vacinas.
Em resposta, senadores preveem uma escalada de acusações formais, individualizadas, por obstrução de justiça.
Eles se baseiam no fato de que a Constituição garante às comissões parlamentares de inquérito poderes de investigação próprios das autoridades judiciais — argumento referendado no Supremo em recentes decisões.
Há quase um mês, por exemplo, técnicos da CPI e do Tribunal de Contas da União tentam obter cópia de toda a documentação governamental sobre compras de vacinas contra a Covid-19. Quase nada conseguiram.
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Na terça-feira passada, o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da comissão, chegou a fazer um apelo público para que o ministério entregue a documentação sobre as compras de vacinas. Não teve resposta.
Na sexta-feira, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), cobrou a assessoria parlamentar do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, sobre os papéis solicitados há quase um mês. Recebeu a informação de que “a questão dependeria de uma [futura] reunião [daquela assessoria] com o ministro”.
No mesmo dia, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) também cobrou do ministério informações pendentes há duas semanas sobre empresas brasileiras que atuaram na intermediação da compra da vacina indiana Covaxin. Nada conseguiu.
As queixas se estendem ao Palácio do Planalto, à Polícia Federal e ao Itamaraty. Informações solicitadas ao Planalto sobre reuniões de assessores presidenciais e sobre a agenda de audiências de Bolsonaro com pessoas sob investigação na CPI “são fornecidas de forma errada, porque não se comparam, ou simplesmente não vêm”.
Um pedido de proteção de testemunhas endereçado à Polícia Federal levou três dias para ser respondido. Na sexta-feira, o presidente da CPI foi comunicado sobre a necessidade de “preencher um formulário” para que a polícia pudesse atender à comissão.
O Itamaraty inovou no método: mandou todos os documentos solicitados, mas em boa parte deles imprimiu um carimbo: “Pode conter documentos sigilosos”. Alguns dos papéis traziam informações irrelevantes e que o governo já havia divulgado há tempos.
Quando os senadores ameaçaram fazer a desclassificação de toda a papelada, o Itamaraty pediu para fazer a revisão do que seria desclassificado pela CPI. Diante da irritação geral na comissão, o ministério recuou.
Na papelada classificada como sigilosa há pérolas da diplomacia, como a do embaixador brasileiro na Índia celebrando o êxito num acordo para fornecimento de derivados de cloroquina a laboratórios nacionais: “Habemus cloroquina”, ele escreveu.
A resistência governamental empurra a CPI para ações por obstrução de justiça, algumas individualizadas. Na lista de possíveis interpelações, um dos primeiros nomes é Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, que já é investigado pela comissão.