Dias atrás, o Partido Progressistas reuniu sua bancada de 55 parlamentares, uma das maiores do bloco de centro-direita que domina o Congresso.
Nascido da fusão de grupos da antiga Aliança Renovadora Nacional (Arena), esteio parlamentar da ditadura, o PP agora tateia um novo rumo sob influência do deputado alagoano Arthur Lira, presidente da Câmara, e do senador Ciro Nogueira, que preside o partido.
Na reunião, Nogueira propôs que o Progressistas assuma a vanguarda da oposição ao governo petista. Com a naturalidade de quem chefiou a Casa Civil de Bolsonaro até dezembro, sugeriu reescrever a história da década e meia de alianças com Lula e Dilma, que rendeu ao PP um protagonismo em processos criminais do mensalão e da corrupção na Petrobras — neste caso, com o maior número (18) de políticos investigados.
Quando acabou de falar, foi chamado a um grupo no canto da sala. E ouviu uma bem-humorada provocação no sotaque nordestino:
— Tá tudo muito bom, tudo muito bem, mas, ô Ciro, ensina aí pra gente como é ser oposição.
Ele rebateu com humor: — Vamos cobrar gritando: “Cadê a picanha?” — referência à promessa mais repetida por Lula na campanha (“O povo vai voltar a comer um churrasquinho, uma picanha e tomar uma cervejinha.”) .
Então, Luiz Eduardo, o deputado “Lula” de 22 anos e quatro oligarquias pernambucanas no sobrenome (Queiroz Campos da Fonte Albuquerque), emendou: — É, tio, mas esse negócio de óculos Ray-Ban, sapato branco e oposição só fica bonito nos outros…
O riso coletivo traduziu a memória dos arranjos que levaram o Progressistas a apoiar continuamente todos os presidentes dos últimos 28 anos (Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro). Com elegância, o grupo lembrava ao antigo operador político de Bolsonaro que no PP oposição sempre é minoria, mas constantemente útil.
Não é novidade no front partidário. Bancadas nordestinas são donas de um terço dos votos nos plenários da Câmara e do Senado e manejam esse poder na gerência da perene dependência regional das verbas federais.
“Óculos Ray-Ban, sapato branco e oposição só ficam bonito nos outros”
Em todo o Nordeste há mais gente sobrevivendo dos programas sociais do que trabalhadores remunerados no mercado formal, mostram os dados oficiais. O número de beneficiários é maior que o total de empregados com carteira assinada, por exemplo, no Maranhão (570 000), na Bahia (410 000) e no Piauí (242 000). Quanto mais precário o mercado de trabalho, maior a dependência regional do caixa de Brasília.
Isso condiciona as relações das bancadas do Nordeste no Congresso com o Palácio do Planalto. Em partidos de raízes nordestinas, como o PP, fazer oposição é complicado. São prisioneiros de governos.
Com Lula no Planalto é pior. Além da lembrança de um bem-sucedido programa de transferência direta de renda, há meio século ele estimula um culto à personalidade centrado na imagem viva do nordestino vencedor. Não por acaso, há apenas cinco meses Lula sacou 12,5 milhões de votos de vantagem em relação a Bolsonaro na região — o Nordeste garantiu-lhe o terceiro mandato presidencial.
O panorama do primeiro trimestre, porém, sugere a existência de um governo dedicado a facilitar a vida da oposição. Em tempo integral.
Está sem rumo no Congresso. Ainda não consolidou maioria na Câmara sequer para aprovar um projeto de lei ordinária. Aliados no Senado queixam-se da longa espera por projetos anunciados em janeiro, ainda desconhecidos.
A multidão (37) de ministros briga por “espaço” na mídia, por “genialidades” diárias e atrapalha-se na governança — da condução da política econômica à gestão de serviços essenciais à maioria pobre, como evidenciam as imensas filas de acesso ao Bolsa Família e à Previdência Social.
Em duas décadas, o país não conseguiu garantir acesso a água potável para 35 milhões de pessoas e conserva 100 milhões à distância dos serviços de coleta de esgoto. Como no primeiro mandato de Lula, o Brasil continua gastando mais dinheiro público com partidos (1 bilhão de reais por ano) do que com o saneamento básico. E o governo segue inerte, hipnotizado pela ideia de reestatização do setor.
No Planalto, o presidente sonha o Nobel da Paz, estimula conflito interno na condução da economia e passa o dia cobrando do seu partido, o PT, ações de vingança contra quem o delatou ou condenou por corrupção na Petrobras.
Sem desencarnar da prisão na Lava-Jato, Lula se candidata a atravessar os próximos quatro anos aprisionado na liderança da oposição ao próprio governo.
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Publicado em VEJA de 29 de março de 2023, edição nº 2834