Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99

José Casado

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Informação e análise
Continua após publicidade

Puro veneno

A contaminação da impunidade pode ser devastadora na política

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h52 - Publicado em 3 fev 2023, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Uma insurreição estimulada, coordenada e financiada com intenção golpista. E uma crise humanitária com múltiplos indícios de crimes de genocídio, contra a humanidade e o meio ambiente. Isso aconteceu no Brasil, nas últimas três semanas de janeiro.

    Quem quiser pode acreditar que tudo não passou de acaso — é legítimo. Está visível, porém, o excesso de coincidências e o histórico de sincronicidades.

    Não houve improviso, e a mensagem embutida sobre a realidade é puro veneno: muita coisa está fora de ordem no sistema político nacional.

    A falência múltipla de órgãos de Estado foi determinante na invasão do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Foi decisiva, também, para o aumento (cerca de 30%) das mortes por fome e doenças evitáveis entre os ianomâmis de Roraima, sitiados no avanço do garimpo ilegal de ouro e cassiterita (fonte do estanho), que se ampara na coalizão de interesses regionais com os do crime organizado em expansão na Amazônia.

    Jair Bolsonaro, filhos parlamentares, aliados civis e militares passaram os últimos 48 meses instigando debate sobre golpe nas ruas, nas empresas, no governo e no Congresso. Banalizaram o discurso de violência, as propostas ilegais e inconstitucionais.

    Fomentaram a tragicomédia de 8 de janeiro em Brasília, cuja melhor tradução está numa alegoria de bolso — a minuta de decreto de “estado de defesa” na Justiça Eleitoral para transformar o derrotado Bolsonaro em vencedor nas urnas de outubro. Um exemplar estava com o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, agora preso por conspiração, mas existiam cópias “na casa de todo mundo”, confessou Valdemar Costa Neto, presidente do Partido Liberal, o maior do Congresso, que abriga e remunera Bolsonaro com recursos públicos (via Fundo Partidário).

    Continua após a publicidade

    Avançou-se na liquefação política nacional, evidente desde os protestos de 2013, com a renovação de relações perigosas entre governo e Congresso, balizadas por verbas secretas, permissividade legislativa e permanente contemporização.

    “A contaminação da impunidade pode ser devastadora na política”

    Meses atrás, por exemplo, um deputado condenado a oito anos de prisão e à perda do mandato por crimes constitucionais acabou empossado na Comissão de Constituição e Justiça. No prédio ao lado, um grupo de senadores promoveu audiência pública de escracho institucional, com o Supremo Tribunal Federal no alvo central.

    Nessa mesma época, a quase 3 000 quilômetros de distância de Brasília, o governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), liderou a aprovação, em tempo recorde, de lei estadual incentivando a multiplicação das frentes de garimpo ilegal na terra dos ianomâmis, que ele considera “bichos” do mato.

    Entorpecidos em lucros financeiros com a alta nos preços do ouro (315 000 reais o quilo) e do estanho (275 000 a tonelada), nos últimos cinco anos, Denarium e aliados restringiram a fiscalização e proibiram a destruição de equipamentos já interditados (dragas e aviões).

    Continua após a publicidade

    Misteriosamente, três dezenas de aviões apreendidos voltaram às rotas de abastecimento. Enquanto isso, um helicóptero venezuelano, camuflado, invadia o espaço aéreo e depositava corpos de garimpeiros brasileiros em Iracema, próximo à reserva indígena.

    No Planalto, no Congresso e nas Forças Armadas prevaleceu o silêncio eloquente sobre a tragédia humanitária em andamento, similar ao mantido sobre os acampamentos de bolsonaristas radicais nas portas dos quartéis, em mais de 150 cidades, até o ataque às instituições no domingo 8 de janeiro.

    Bolsonaro comandou a etapa mais recente dessa convergência para o vale-tudo, segundo dezena e meia de processos judiciais. Refugiado no exterior, insufla seguidores com uma recalibragem do fracasso: “Vamos mudar o destino do Brasil, podem ter certeza, em pouco tempo teremos notí­cias”, disse na semana passada. Assis­te ao prenúncio de punições num reordenamento institucional que, aparentemente, vai ter baixa tolerância a acordos de impunidade, como a anistia ampla, geral e irrestrita já encaminhada no Congresso.

    O excesso de provas e o rito simplificado da Justiça Eleitoral tornam previsível a primeira condenação de Bolsonaro e de alguns dos seus ministros no segundo trimestre. Se confirmada, ele ficaria impedido de disputar eleições como a da prefeitura do Rio no ano que vem ou da Presidência da República em 2026.

    Assim como o mercúrio do garimpo na cadeia alimentar dos ianomâmis, a contaminação da impunidade política pode ser devastadora para a sociedade que se acha civilizada.

    Continua após a publicidade

    Publicado em VEJA de 8 de fevereiro de 2023, edição nº 2827

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.