Num domingo de verão, 26 de janeiro do ano passado, Jair Bolsonaro falou pela primeira vez sobre a ameaça de uma pandemia: “Estamos preocupados, mas não é uma situação alarmante”.
Quarenta e sete dias depois, se contavam 234 casos confirmados e outros 2.064 suspeitos. Bolsonaro tentou mudar de assunto, e inventou uma conspiração pandêmica do imperialismo americano contra o seu governo: “Certamente tem um interesse econômico nisso [a pandemia]. Em 2009 teve um vírus também [H1N1 da influenza] e não chegou nem perto disso. Mas era o PT no governo [Lula] aqui e o Democrata [Obama] nos Estados Unidos”. Ninguém acreditou.
No outono deste ano, 5 de maio, quando se ultrapassava 417 mil mortes e 15 milhões de casos, a CPI da Pandemia ganhava fôlego no Senado e a inflação avançava. Bolsonaro tentou mudar de assunto, e mudou o rumo geopolítico da conspiração pandêmica contra o seu governo: atribuiu à China uma “guerra biológica” global — “os militares sabem disso”. Ninguém acreditou, claro.
Sua cruzada antivacina fracassou, com a adesão em massa, e espontânea, da população aos imunizantes disponíveis, comprados pelo governo sob intensa pressão da sociedade.
Na virada do semestre, a escalada inflacionária se consolidou, persistente e disseminada por toda a economia ameaçada pelo racionamento de energia. Bolsonaro tentou mudar de assunto, e abriu uma guerra com o Congresso e a Justiça Eleitoral pelo voto impresso. Perdeu, ameaçou golpe de Estado, ofendeu juízes do STF e do TSE. Acabou assinando uma carta de rendição.
Dois meses depois, o país nem havia se recuperado da emergência sanitária e a crise econômica estava agravada pela inflação crescente dos preços de energia, combustíveis e alimentos, um desemprego recorde e a maior taxa de juros do planeta. Bolsonaro tentou mudar de assunto. Manobrou no Legislativo pela aposentadoria precoce de juízes do Supremo.
Perdeu e, em seguida, tentou mudar de assunto de novo: criou a guerra do “espaço aéreo” que, segundo ele, a Anvisa queria fechar com a exigência de certificado de vacina conta a Covid-19 nas fronteiras de um país que há décadas segue o padrão mundial de requisitar dos viajantes um atestado de vacina contra febre amarela.
O ano está terminando com 616,7 mil mortes e 22,1 milhões de casos até ontem à noite. A taxa básica de juros foi a 9,5% ao ano, refletindo a gravidade da crise econômica.
Toda vez em que se deparou com uma situação crítica na qual o presidente precisava trabalhar duro para governar, o candidato Bolsonaro mudou de assunto. A crise continua. É previsível: ele vai tentar mudar outra vez.