Jair Bolsonaro conduziu a Petrobras a uma bem-sucedida tocaia política.
Mudou a direção três vezes e submeteu-a um ano de julgamento público, repassando a culpa pela própria imprevidência administrativa — a inflação dos combustíveis.
Em qualquer lugar do planeta seria bem-vinda uma empresa que no espaço de doze meses produzisse lucro de R$ 106 bilhões, pagasse R$ 203 bilhões em impostos e se comprometesse a investir outros R$ 192 bilhões nos próximos 48 meses.
No país governado por Bolsonaro, porém, ela é qualificada como “Petrobras Futebol Clube”, produtora de “lucros absurdos”.
Ele jamais mencionou o que o governo fez, e continua fazendo, com a parte que lhe cabe no lucro — R$ 40 bilhões do total de R$ 106 bilhões em 2021.
Em dimensão, é comparável ao prejuízo registrado em meados da década, quando a empresa quase foi à lona em decorrência de atos de má gerência e de corrupção, cujo histórico está registrado nos inquéritos da Operação Lava Jato.
Na origem do lucro está a valorização do preço internacional petróleo e do dólar, em relação ao real. O Brasil também ganha com isso, porque o desenvolvimento da exploração no pré-sal, a partir do governo Lula, transformou o país num dos dez maiores exportadores.
Bolsonaro nunca explicou, também, porque essa dinheirama repassada ao Tesouro Nacional jamais foi usada para mitigar os impactos domésticos da alta mundial de preços do óleo e derivados.
Há projeto no Congresso para criação de um fundo específico, mas foi desprezado pelo governo. Começou a tramitar em abril do ano passado, quando o petróleo estava em 60 dólares o barril. Com a guerra da Rússia na Ucrânia estacionou acima de 100 dólares. Ontem fechou em 110 dólares.
Depois de um ano de intensa campanha pública contra a companhia controlada pela União, Bolsonaro já tem motivos para festejar.
O ardil funcionou: vender a Petrobras deixou de ser tabu político.
Agora é ideia aceita por quase dois terços (67%) do eleitorado, mostra o Ipespe em pesquisa realizada entre segunda (16) e quarta-feira (18).
Pragmáticos, os eleitores acossados por uma inflação de dois dígitos — alavancada pelo custo da energia e dos alimentos —, aceitam a privatização da maior empresa do país desde que resulte na redução dos preços cobrados pelo gás de cozinha, óleo diesel e gasolina.
Sem essa condicionante, o apoio é menor, mas significativo: 38% estão a favor da venda da Petrobras, contra a maioria de 49% que prefere mantê-la como está, sob controle do Estado e em parceria com mais de 700 mil sócios privados, nacionais e estrangeiros.
O resultado representa uma vitória inestimável para o governo. A ideia de vender a Petrobras divide, mas avança para a aprovação por ampla maioria sob uma circunstância específica.
É uma obra política, e Bolsonaro já deu sinal verde para um projeto de privatização, capitaneado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP).
O mais notável nessa manobra, porém, é como o governo atraiu e a oposição caiu na armadilha da desqualificação da Petrobras, dos lucros absurdos” e da “espoliação” do povo promovida pelos acionistas privados.
O adversário Lula, do PT, se diz contra privatizações de qualquer natureza, classifica as estatais como “estratégicas”, mas resolveu demonizar a Petrobras pelos preços dos combustíveis e os lucros “distribuídos em dividendos, sobretudo para os acionistas americanos, que têm muito interesse na Petrobras”.
Atravessou meses repetindo: “A Petrobras não é um patrimônio, não é uma empresa privada. A Petrobras não tem que pensar só em lucro, a Petrobras tem que pensar no bem-estar de 213 milhões de brasileiros, aqueles que estão no Sul, no Nordeste, no Sudeste, no Centro-Oeste. A Petrobras é de todos.”
Líderes nas pesquisas, Lula e Bolsonaro ajudaram a moldar uma nova imagem pública da Petrobras, oposta à do “patrimônio nacional”, de ícone do nacionalismo que embalou a direita e a esquerda na política brasileira nas últimas seis décadas.
O resultado está aí. Sinaliza o fim de uma era. Uns celebram, outros se preocupam.