Jair Bolsonaro levou seu candidato ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e cinco ministros num sobrevôo da tragédia de Franco da Rocha (SP), onde a lama soterrou quinze residências, deixando oito mortos e dez pessoas desaparecidas.
De volta à terra, deu seu veredito: “Faltou, obviamente, uma visão de futuro por parte de quem construiu [as casas soterradas]”. Enquanto falava, a contagem de vítimas aumentava para 24 mortes e mais de 1,5 mil famílias desabrigadas em todo o Estado.
O presidente aceitou sair de casa e ir ao local de uma tragédia. Já é avanço notável no caso de um candidato à reeleição que, dias atrás, se recusou a sair de cima de um jet-sky na praia para viajar à Bahia, onde chuvas mataram 20 e desalojaram mais de 7 mil famílias.
A viagem de ontem serviu para o governo testar a nova cartilha de marketing para situações de emergência durante a temporada eleitoral.
Pelo roteiro, o presidente, compungido, culpa as vítimas por falta de “visão de futuro”. O ministro-candidato ao governo local se mantém em eloquente silêncio, como fez Tarcísio de Freitas (Infraestrutura).
Quem fala é outro ministro, sempre para debitar a tragédia na conta do adversário local. Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) responsabilizou o governador paulista João Doria, concorrente do seu chefe na disputa presidencial.
Se é bom para marquetagem de campanha, não elimina a cumplicidade determinante da trágica realidade brasileira em política habitacional e de urbanização.
Nos últimos três anos, por exemplo, faltou a Bolsonaro uma “visão de futuro” sobre aquele que seria um dos seus principais programas sociais — o de habitação para a população de baixa renda nas periferias das maiores cidades.
A seção de propaganda oficial criou a marca “Casa Verde e Amarela” em substituição à anterior “Minha Casa, Minha Vida”, do governo Dilma Rousseff.
Porém, a “Casa Verde e Amarela” acabou soterrada sob os escombros orçamentários das negociações eleitorais de Bolsonaro com líderes do Centrão, apoiadas pelos interessados ministros-candidatos Marinho e Tarcísio.
Foi anunciada, em 2019, com investimento de R$ 4,8 bilhões. Caiu pela metade nos dois orçamentos seguintes. Neste ano, a previsão é de R$ 1,2 bilhão.
Ao cortar 75% dos recursos no orçamento, Bolsonaro condenou à inanição a própria política habitacional.
No orçamento de 2022 é possível entrever o seguinte: Bolsonaro reservou para um dos seus principais programas sociais um volume de dinheiro cinco vezes menor do que o total destinado aos partidos e candidatos — ele e seus ministros incluídos —, nos fundos eleitoral e partidário.
Segundo Marinho, as “restrições fiscais” deixaram o caixa federal sem dinheiro para obras contra enchentes em São Paulo. Mas a escassez não tem impedido seu ministério de gastar dinheiro na propaganda de uma política habitacional inexistente.
Essa “visão de futuro” permeia tragédias no solo urbano baiano e paulista, encharcado pelas chuvas de verão.