No verão de 2015, investigadores da Lava-Jato ainda tateavam o novelo da corrupção na Petrobras, quando bancos e corretoras de valores estrangeiros começaram a achar a situação preocupante.
O caso atraiu a atenção de Aswath Damodaran. Professor de finanças corporativas e avaliação de ações na Universidade de Nova York, ele se diverte no estudo dos jogos de poder empresariais. “Posso não ter o poder de mudar o status quo em nenhum negócio, mas posso mexer no pote”, costuma dizer. Pouco tempo depois, Damodaran publicou um artigo no blog da universidade. Sua conclusão: “A Petrobras se qualifica como uma calamidade”.
No desastre anunciado, encontrou lições que julgou úteis para levar à sala de aula. “A primeira”, destacou, “é reconhecer que há todas as razões para ser cético quando políticos reivindicam ‘interesse nacional’ e se intrometem incessantemente em corporações públicas.”
“Na maioria dos casos”, acrescentou, “o que você tem são interesses políticos, que podem ou não coincidir com interesses nacionais, em que políticos eleitos e funcionários do governo usam o dinheiro dos acionistas para avançar sua posição.”
Passaram-se nove anos. A Lava-Jato está sepultada em Curitiba, mas investigações seguem nos Estados Unidos e na meia dúzia de países onde se considera que as regras da disputa empresarial foram violadas.
A Petrobras confessou fraudes, fez alguns acordos (já custaram 4 bilhões de dólares) e negocia outros em tribunais no exterior. Conseguiu se reconstruir com mudanças nos padrões operacionais e redução do endividamento, e voltou a ser rentável para acionistas (o governo controla 29,7% das ações). Mas permanece sob a bruma do patrimonialismo, sem distinção da fronteira entre público e privado.
Cresceu o risco derivado de intervenções políticas indevidas na gestão entre os governos Jair Bolsonaro e Lula. As motivações variam, mas a justificativa é sempre a mesma: “Interesse nacional”.
Há cinco meses, Lula mantém na frigideira o presidente da empresa, Jean Paul Prates. Ajudam a assoprar o fogo da fritura os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia) e parte da cúpula do Partido dos Trabalhadores. Renova-se no governo a disputa de poder e influência sobre o destino dos recursos da companhia.
“Aumenta o interesse político no caixa bilionário da Petrobras”
São 20 bilhões de dólares em caixa, o equivalente a 100 bilhões de reais, na estimativa do mês passado. É um volume de dinheiro relevante em qualquer lugar do planeta. Tem dimensão similar à soma dos investimentos anunciados por indústrias estrangeiras nas linhas de produção de automóveis nos próximos seis anos, amparados em isenções fiscais e subsídios estatais.
A cobiça sobre essa dinheirama está delineada na profusão de críticas à companhia difundidas no Palácio do Planalto, nos ministérios e em grupos parlamentares. Na semana passada, algumas foram listadas em documentos apócrifos. Um deles acabou homologado pela própria empresa, em resposta ao repórter Caio Junqueira. As intrigas permitem entrever o enredo de interesses políticos emaranhados nessa nova versão do jogo de poder na Petrobras.
Lula quer estatizar a Braskem, líder em petroquímica, onde a Petrobras é sócia do grupo Odebrecht (agora Novonor), nave-mãe da corrupção desvelada na Lava-Jato. Também quer contratos garantidos para estaleiros que naufragaram no “polo naval” da falida Sete Brasil, além de subsídios para “abrasileirar” preços dos combustíveis queimados nas ruas pelo eleitorado de classe média.
É grande a fila no balcão da Petrobras. Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, reclama engajamento financeiro na “neoindustrialização” e em insumos agroindustriais. Rui Costa (Casa Civil) partilha com Alexandre Silveira (Minas e Energia) ansiedades sobre usinas térmicas a gás, refinarias e produção de fertilizantes. Celso Sabino (Turismo) e Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos) desejam combustível a preços reduzidos para empresas aéreas. A representação dos petroleiros (FUP) pretende manter o controle das áreas de segurança, saúde e meio ambiente da companhia. O PT e o MDB batalham por fábricas de fertilizantes no Paraná, na Bahia, em Sergipe e no Mato Grosso do Sul. Já os governadores da Amazônia pedem a abertura de poços de petróleo na bacia do Amazonas.
Todos reivindicam tudo em nome do “interesse nacional”. Os sinais amarelos estão visíveis nessa disputa de poder e influência política sobre o caixa da empresa pública. Por isso, não é exagerada a receita de prudência do professor nova-iorquino. Sobram razões para ceticismo sobre o futuro da Petrobras.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2024, edição nº 2888