A direção da Petrobras terá de explicar ao Tribunal de Contas da União, nesta semana, um estranho contrato de arrendamento industrial com prejuízo mínimo estimado de 487 milhões de reais nos próximos oito meses — equivalente à perda de dois milhões de reais por dia.
O TCU listou as seguintes suspeitas irregularidades no negócio que a Petrobras fez com o grupo Unigel para produção alugada de fertilizantes e petroquímicos: “Afronta aos princípios da eficiência, da economicidade, da razoabilidade e da motivação”. Acrescentou evidências de contradição com “diversos dispositivos” do plano empresarial da Petrobras “relacionados à busca de retornos econômicos” no período 2024-2028.
O negócio foi feito na sexta-feira 29 de dezembro, quinze dias depois do grupo Unigel obter proteção judicial contra credores. A medida preventiva vale até o final deste mês. Teve como fundamento nove meses de paralisação das fábricas de fertilizantes, balanços contábeis com o acúmulo de 1 bilhão de reais de prejuízo, déficit de caixa de 537 milhões e o não pagamento de 115 milhões de juros da dívida externa vencida entre janeiro e setembro do ano passado.
Contratados para analisar as contas, auditores da Delloite Touche Thomatsu descreveram no balanço do terceiro trimestre a “existência de incerteza relevante que pode levantar dúvida significativa quanto à capacidade de continuidade operacional da companhia”.
Isso aconteceu na sexta-feira 22 de dezembro. Na semana seguinte, a Petrobras assinou o contrato de valor similar ao déficit de caixa da Unigel. Isso deu fôlego ao réveillon de Henri Armand Slezynger, engenheiro químico que há seis décadas entusiasmou-se com o potencial das moléculas de amônia e ergueu um império de 14 fábricas entre o Brasil e o México.
Aos 87 anos, Slezynger entrou no clube dos bilionários brasileiros. Em 2022 estreou no ranking da revista Forbes (EUA) em 15º lugar, com patrimônio estimado em 17 bilhões de reais. É empresário rico de empresa rebaixada à inadimplência, em novembro passado, na classificação da S&P Global Ratings. Cultiva a discrição e é influente na política da Bahia, onde o reconhecem como ativo contribuinte de campanhas eleitorais do Partido dos Trabalhadores.
Ele virou maior produtor brasileiro de ureia — insumo essencial na agricultura — na esteira de um fiasco estatal na produção de fertilizantes. Em 2013, no governo Dilma Rousseff, a Petrobras inaugurou fábricas em Camaçari, Bahia, e em Laranjeiras, Sergipe, com capacidade atender a 14% do consumo nacional de amônia e ureia.
Acumularam prejuízos nos quatro anos seguintes e no início de 2018, no governo Michel Temer, a Petrobras decidiu desativá-las — ou mantê-las “em hibernação”, segundo o léxico da burocracia empresarial.
No final de 2019, no governo Jair Bolsonaro, fez-se uma licitação para arrendamento dessas fábricas por dez anos ao grupo Unigel, ao custo mensal de 800 mil reais para a unidade de Camaçari e de 675 mil reais para a de Laranjeiras.
Dois anos depois, a Petrobras negociou com a Unigel o fornecimento de gás natural, com base numa regra comum no setor pela qual quem contrata o escoamento do gás é obrigado a pagar, mesmo que não utilize, para garantir o retorno do capital aplicado no sistema de dutos para transporte do produto.
Em 2022, com a invasão e a guerra da Rússia na Ucrânia, dispararam os preços mundiais de fertilizantes em geral, e, principalmente, dos nitrogenados. Foi um ano de ouro para a Unigel de Slezynger.
Ano passado, no entanto, o mercado global voltou à quase normalidade. A Unigel mergulhou nas próprias dificuldades. Em maio decidiu paralisar as fábricas de Camaçari e Laranjeiras.
Naquele mês, a Petrobras resolveu incluir a produção de fertilizantes petroquímicos entre suas prioridades. E começou a negociar com a Unigel. O contrato de arrendamento saiu no último dia útil de 2023.
Peculiaridades do negócio chamaram a atenção do TCU. Benjamin Zymler, relator do caso, acha necessário que a Petrobras explique, rapidamente, “diversos problemas verificados na qualificação dos riscos e na quantificação do valor”.
Entre eles, “falhas nas justificativas” para um “contrato antieconômico”, “deficitário”, “incapaz de oferecer solução definitiva e sem a demonstração clara dos benefícios à Petrobras. Além disso, registrou Zymler, foi aprovado “apenas por um diretor e assinado por um gerente executivo seu subordinado”.
A Petrobras alega que seus contratos e projetos são “elaborados e executados seguindo todos os padrões e requisitos de governança, hierarquia decisória e responsabilidade operacional”.
Zymler, no entanto, acha que a empresa e o seu supervisor federal, o Ministério das Minas e Energia, devem explicações urgentes ao TCU, “antes da expedição de medida cautelar” — a suspensão do contrato. E isso pode acontecer depois do Carnaval.