Atraso na correta aplicação da terapia pós-infarto gera perdas de vidas
Adoção de reperfusão precoce reduz letalidade e diminui sequelas; demora em suporte impacta financeiramente famílias e sistemas de saúde
Estima-se que metade das mortes ocasionadas por infarto agudo do miocárdio (IAM) acontecem antes de a pessoa ter qualquer tipo de atenção médica. O dado é do Projeto Monica, iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) que realiza o monitoramento de tendências para doenças cardiovasculares. Já o risco basal de óbito, ou risco esperado, para quem teve um infarto e foi hospitalizado fica entre 6 e 10%.
Segundo o Ministério da Saúde, ocorrem de 300 a 400 mil infartos no país todos os anos e, em cada cinco a sete casos, uma fatalidade. Muitas causas podem justificar esse significativo número de mortes e, entre elas, a falta de um atendimento adequado pós-infarto, mesmo para aqueles que conseguem chegar a um serviço de emergência. A terapia de reperfusão precoce é um exemplo de atendimento adequado.
A reperfusão precoce é uma terapia para restabelecer o fluxo sanguíneo após o período de isquemia ocasionado pelo infarto. É amplamente reconhecida como a estratégia mais eficaz para reduzir a letalidade e diminuir sequelas, como incapacidades físicas. Quanto mais cedo acontece, menor é a área de necrose no músculo cardíaco e, consequentemente, melhor o prognóstico do paciente.
Quando é bem sucedida, ajuda a prevenir danos permanentes nos tecidos e contribui para a recuperação. Pessoas não submetidas ao procedimento têm risco três a quatro vezes maior de óbito na comparação com as devidamente atendidas. A reperfusão pode ser realizada de duas formas: por trombólise, com introdução de agentes para dissolver o trombo que está impedindo a passagem do sangue até o coração ou por angioplastia primária, também chamada de intervenção coronária percutânea (ICP), que consiste na inserção de pequeno “balão” acompanhado por um stent para inflar a placa de coágulo e gordura que está causando a obstrução. A ICP é considerada o método preferencial para reperfusão pós-infarto agudo.
O estudo “O Impacto Clínico e Econômico do Atraso na Terapia de Reperfusão: Evidências do Mundo Real”, publicado recentemente na Revista Arquivos Brasileiros de Cardiologia, concluiu que o não emprego da reperfusão aumenta em 6,2% o risco de vida a cada hora após o infarto agudo do miocárdio.
O objetivo do trabalho foi estimar as consequências clínicas e financeiras da postergação desse procedimento imediato indicado às vítimas de infarto. Foram analisados 2.622 indivíduos e, deste total, 36% foram submetidos à trombólise farmacológica três horas após o início dos sintomas; 43,7% entre três e seis horas; 13,7% entre seis e nove horas e 6,6% após nove horas da ocorrência. O grupo tratado após nove horas teve maior necessidade de cateterismo de resgate, infarto do miocárdio recorrente, parada cardíaca e acidente vascular cerebral (AVC), além de maior incidência de morte hospitalar.
Apesar das evidências sobre o importante papel da terapia de reperfusão imediata na preservação de vidas, até 40% dos infartados não recebem o tratamento devido à distribuição regional desigual de centros médicos com capacidade para proceder a intervenção. Nunca é demais lembrar que, se existem meios para otimizar as chances depois de uma ocorrência cardíaca dessa natureza, os infartados têm direito a eles. E, desde que este paciente consiga acessar uma emergência hospitalar, nada justifica que ele não receba a terapia de perfusão precoce.
Como já comentado, o atraso na aplicação da terapia de reperfusão naqueles que sofreram infarto pode ter como custo a própria vida. Mas, o sistema de saúde também arca com o prejuízo econômico dessa falta de protocolo: estima-se que a cada três horas sem o procedimento de reperfusão, o paciente represente um ônus adicional de US$ 500, cerca de R$ 2.700. Já entre os que obtêm recurso terapêutico após nove horas do IAM – comparando com quem foi tratado nas primeiras três horas – as despesas gerais são 45% maiores, impulsionadas, principalmente, por custos hospitalares. Vale ressaltar que tais custos foram calculados com base na tabela de ressarcimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e, portanto, estão subestimados.
As famílias são impactadas pela falta de suporte após infarto, em especial nos países de baixa e média rendas, onde as patologias cardiovasculares são particularmente mais preocupantes. Nesses locais, a doença tende a afetar os mais jovens em idade ativa, resultando em significativas consequências econômicas.
No Brasil, 38% das mortes cardiovasculares ocorrem entre indivíduos em idade produtiva, provocando perda de produção equivalente a 15% do custo total associado às doenças cardiovasculares. Pesquisa desenvolvida no Sri Lanka dá uma ideia dessa realidade: 40% dos sobreviventes de infarto, que não receberam terapia de reperfusão no país, procuraram assistência financeira para arcar com gastos diretos, 5% dos pacientes perderam seus postos laborais, 29% ficaram com atividade física limitada no trabalho e 40% tinham restrições de tempo de emprego. Outros achados foram: 15,4% solicitaram empréstimos, 7,8% venderam suas propriedades, 19,1% sofreram perda de renda e 33,8% cortaram despesas habituais.
Esses números enfatizam a necessidade da urgente implementação de redes para gerir os casos de infarto, oferecendo as medidas clínicas necessárias no tempo correto, segundo evidências científicas, visando a salvar vidas e preservar os recursos voltados à saúde pública.
Projeto Infarto da Socesp
A Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) mantém há mais de dez anos o Projeto Infarto, disseminando conhecimento técnico e científico entre profissionais de saúde e o público leigo. O projeto conta com campanhas de prevenção, treinamentos para padronizar protocolos de atendimentos de emergência junto a médicos e enfermeiros da linha de frente dos serviços hospitalares, com o objetivo de minimizar a letalidade por infarto. Hospitais estaduais e municipais de São Paulo, Guarulhos, Barueri, Osasco, Diadema, São Bernardo, São Caetano, Santo André, Santos e Santana de Parnaíba são contemplados pelo programa, que tem a parceria do Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems) e das secretarias Estadual e Municipal de Saúde de São Paulo.
*Andrei Sposito é cardiologista, pesquisador e diretor da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) e Pedro Ivo Moraes é cardiologista e coordenador do Projeto Infarto da Socesp