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O que é um embrião? Um debate ético que movimenta a ciência

À medida que avançam pesquisas com células-tronco e modelos de embrião, discussões éticas voltam a ganhar relevo

Por Fernando Prado*
Atualizado em 10 Maio 2024, 08h41 - Publicado em 10 out 2023, 14h00

Os progressos na pesquisa com células-tronco humanas permitiram a criação de estruturas similares a embriões, chamadas de modelos de embriões, que podem ter semelhanças com o desenvolvimento inicial do embrião natural. Mas essa linha de estudos levanta dilemas éticos importantes, uma vez que esses modelos não atendem às definições formais de embriões e não são cobertos por regulamentos que regem esse tipo de pesquisa.

Com base nisso, alguns cientistas sugerem uma nova definição do que são embriões humanos. Ela incluiria modelos com potencial de se desenvolver em um feto, não apenas para refletir melhor o conhecimento atual, mas também para preparar o caminho para discussões éticas mais precisas e inclusivas no âmbito da comunidade médica.

Esse tipo de pesquisa tem grande potencial para avançar a compreensão sobre infertilidade, perda de gravidez, defeitos congênitos e as origens do desenvolvimento de doenças na vida adulta. E, embora o campo esteja em estágio inicial, os cientistas já se preparam para a comunicação pública, sugerindo os termos “modelos de embriões”, “modelos embrionários” e “modelos de embriões derivados de células-tronco” no lugar de “embriões sintéticos”.

Desde a década de 1980, embriões formados por fertilização in vitro (FIV) são doados para pesquisas conduzidas sob estrita supervisão ética. Mas são escassos, muitas vezes de qualidade limitada, pois os melhores são usados para reprodução em clínicas, e suas manipulações experimentais são restritas por razões éticas e técnicas.

Já os modelos de embriões surgiram como uma alternativa conveniente que complementa o uso de embriões em pesquisas. Mas desafiam as atuais definições legais do embrião, e a sua crescente sofisticação garante uma justificação ética para a sua utilização. Logo, é necessário estabelecer novas diretrizes para a pesquisa usando modelos de embriões humanos.

Os modelos de embriões são aglomerados de células-tronco embrionárias que podem começar a se diferenciar e se organizar de maneira semelhante ao desenvolvimento de um embrião inicial. Atualmente, os pesquisadores podem usar modelos de embriões para estudar o desenvolvimento sem as restrições éticas e legais que se aplicam a embriões reais. Hoje, muitos países seguem uma recomendação de 2016 da International Society for Stem Cell Research (ISSCR) de que nenhum embrião humano pode ser cultivado fora do corpo além de 14 dias após a fertilização.

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No ano passado, pesquisadores relataram modelos de embriões de camundongos que poderiam se desenvolver em um estágio equivalente a um embrião oito dias e meio após a fertilização, aproximando-se da metade do período de gestação. Os modelos embrionários tinham um eixo corporal e cabeça, membros e coração nascentes.

Neste ano, alguns desses pesquisadores relataram modelos de embriões humanos cultivados in vitro no estágio equivalente, 13 a 14 dias após a fertilização. Esses modelos não poderiam se transformar em fetos, mesmo que implantados no útero. Mas os modelos de embriões do estágio de pré-implantação cinco a sete dias após a fertilização, chamados blastoides, podem continuar ao longo da trajetória de desenvolvimento. O ISSCR chama esses modelos de embriões integrados e recomenda que sejam usados em pesquisas somente após uma análise cuidadosa por comitês científicos e éticos.

No futuro, os modelos de embriões podem passar por um ‘ponto de inflexão’ após o qual a maioria das distinções éticas com um embrião desapareceriam. Já que é proibido avaliar o potencial de um modelo de embrião humano por transferência para um útero, os pesquisadores propõem que, se um determinado modelo de embrião humano é capaz de formar eficiente e fielmente todo o embrião até um certo estágio de desenvolvimento e o mesmo modelo de embrião tem a capacidade de formar animais vivos e férteis em várias espécies, particularmente primatas não humanos, então esse modelo de embrião humano atingiu um “ponto de inflexão”. Com isso, ele deve ser considerado semelhante a um embrião humano para questões éticas e regulatórias.

Em abril deste ano, pesquisadores mostraram que blastoides feitos de células-tronco embrionárias de macacos e outros tipos de células podem induzir gestações quando implantados em fêmeas, embora todas as gestações abortassem espontaneamente. Podemos prever, então, que os modelos de embriões mais completos poderão, em algum momento, se tornar embriões que darão origem a indivíduos.

As definições legais de embriões variam entre países, mas, no geral, se referem àqueles produzidos por fertilização do óvulo por esperma ou por clonagem – por exemplo, pela transferência de um núcleo de uma célula não reprodutiva para um óvulo. Hoje, nenhuma definição inclui modelos de embriões.

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Outros cientistas defendem que o debate deve ser adiado até um ponto em que seja possível afirmar que um modelo de embrião pode ou não crescer até pelo menos o estágio fetal, para então decidir sobre seu status moral e ético. E nenhum dos atuais modelos chega perto de atingir esse limite. Eles estão em um estágio rudimentar e o argumento é que tentar fazer mudanças em um estágio tão inicial pode criar resultados indesejados ou enganosos que são difíceis de resolver posteriormente.

No entanto, é importante lembrar que esses modelos de embriões, embora não possam formar recém-nascidos, podem ajudar a preencher uma lacuna de conhecimento na compreensão básica de como os humanos se formam. Esperamos que, no futuro, esse conhecimento beneficie a sociedade, apoiando o desenvolvimento de medicamentos para combater a infertilidade e a perda precoce da gravidez. O campo ainda está em sua infância, mas está abrindo caminhos importantes antes inacessíveis para ciência, ética e medicina.

* Fernando Prado é ginecologista, obstetra e especialista em reprodução humana. Doutor pela Unifesp e o Imperial College London, membro da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) e da Sociedade Europeia de Reprodução Humana (ESHRE) e diretor clínico da Neo Vita, em São Paulo

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