Mortes por causas como infarto e acidente vascular cerebral (AVC) no Brasil não chocam apenas pelos números elevados – foram 109 556 óbitos por infarto e outras 99 010 por AVC só em 2020. Chocam porque, na grande maioria dos casos, poderiam ser evitadas se preveníssemos ou tratássemos melhor seus fatores de risco.
Entre as condições por trás das doenças cardiovasculares, temos obesidade, tabagismo, diabetes, colesterol elevado, hipertensão e até particularidades por gênero. Sim: a mulher apresenta risco aumentado de infarto e AVC quanto maior o número desses fatores combinados.
Para se ter ideia, só o diabetes aumenta em 3,6 vezes a propensão feminina a infarto enquanto nos homens a mesma probabilidade cresce 1,8. Já a depressão em mulheres acresce em 3,1 a chance da doença e 1,8 para o sexo oposto. A hipertensão, por sua vez, corrobora 2,8 vezes mais para o infarto feminino e 2,2 vezes mais para o masculino. São diferenças significativas.
Podemos afirmar, inclusive, que é crescente o número de fatalidades provocadas por problemas do coração nas jovens entre 25 e 29 anos. Observa-se, nesse grupo, que, além de hipertensão, depressão e diabetes, o tabagismo vigente e a história familiar de diabetes promovem associações mais fortes com o infarto, enquanto colesterol elevado está mais relacionado com a doença em homens jovens.
Ademais das predisposições para ambos os sexos, mulheres têm fatores de risco específicos para doenças cardiovasculares, como menopausa, diabetes gestacional, distúrbios hipertensivos da gravidez, parto prematuro e síndrome dos ovários policísticos. Entre as brasileiras acima dos 40 anos, as cardiopatias chegam a representar 30% das causas de morte, a maior taxa da América Latina.
Outro dado é que cerca de metade da mortalidade por essas enfermidades antes dos 65 anos pode ser atribuída às desigualdades sociais, afligindo mais o público feminino: alimentação inadequada, baixa atividade física, consumo de álcool e tabagismo estão neste ranking.
Pesquisas médicas também detectaram problemas pontuais que fazem a balança do risco cardiovascular pender para o lado feminino. Um exemplo é a hipertensão. Quando aparece na primeira gestação, há mais chance de desenvolver uma patologia do coração no futuro, principalmente após a menopausa.
A gravidade da situação e a possibilidade concreta de evitar desfechos trágicos levaram acadêmicos e médicos a organizarem o 1º Congresso Brasileiro de Cardiologia da Mulher, que acontecerá em 19 e 20 de maio, em São Paulo. Organizado pelo Departamento de Cardiologia da Mulher da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e pela Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), o evento visa alertar e instruir os profissionais de saúde para a prevenção e o tratamento das doenças cardiovasculares nas fases da vida das mulheres.
Carta das mulheres
Publicada nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia e apresentada ao Congresso Nacional em 2019, a Carta das Mulheres tem entre seus objetivos: estimular a melhoria das condições de saúde das brasileiras, com foco nos problemas cardiovasculares, trabalhando em defesa das metas globais para prevenção e controle de doenças crônicas não transmissíveis; estabelecer campanhas de prevenção, para obter a meta de redução de 30% da taxa de mortalidade até 2030, além de elaborar e sugerir políticas governamentais para promover ambientes adequados para a redução da exposição ao risco, facilitando a adoção de hábitos saudáveis em ambientes escolares, de trabalho e de lazer.
Trata-se de mais uma ferramenta com força política para mudar o cenário atual no que tange às doenças cardiovasculares femininas, protegendo o grande público e impedindo uma escalada galopante de mortes.
* Ieda Jatene é cardiologista e presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp); Glaucia Maria Moraes de Oliveira é cardiologista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)