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Vazio de atendimento à saúde na Amazônia precisa ser preenchido

Sobram médicos no Brasil enquanto comunidades como as que vivem em áreas remotas carecem de assistência, dependendo do trabalho de ONGs

Por Marcelo Averbach*
25 jul 2024, 10h13

Da janela do avião, retornando da 26ª expedição de saúde da ONG Zoé, observo a vastidão da Amazônia, que sempre me impressiona, apesar de mais de 15 anos de atuação voluntária como médico nessa parte do Brasil. Perdi as contas de quantas vezes já sobrevoei a região, que corresponde a quase 60% do território brasileiro, apresenta baixa densidade demográfica, com apenas 5,6 habitantes por quilômetro quadrado, e enfrenta desafios complexos na prestação de serviços de saúde.

Desta vez, os 40 voluntários que fizeram parte de nossa expedição realizaram, na última semana de junho, 1.216 atendimentos no município de Belterra, no Pará, entre cirurgias, procedimentos endoscópicos, exames de imagem e atendimento clínico em diversas especialidades. Atendemos no Hospital Municipal de Belterra, além de visitar uma aldeia indígena local. Foram dias intensos! Mas, enquanto retornamos felizes com a realização de mais uma expedição, também trazemos uma sensação de vazio.

Isso acontece porque, quanto mais conhecemos a realidade da Amazônia, mais ficamos conscientes que nosso trabalho, assim como de outras ONGs que atuam na região, é importante. Contribuímos para diminuir as filas do Sistema Único de Saúde (SUS), mas não somos a solução. É preciso um esforço enorme do poder público para resolver essa questão tão complexa que é levar saúde para a região.

Entre os desafios está a escassez de médicos. E, para entender o tamanho do problema, basta observar alguns números. Enquanto o Distrito Federal conta com 5,4 médicos por 1.000 habitantes, esse índice cai para 1,1 no estado do Pará, onde atuamos.

E não há déficit de médicos em nosso país. Pelo contrário, atualmente, temos 595.930 médicos ativos. Nos primeiros 20 anos deste século, o número de médicos no Brasil mais que dobrou. A questão é a distribuição desigual desses profissionais. Eles não estão nas regiões remotas da Amazônia.

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Na região onde atuamos, ao longo dos rios Tapajós e seus afluentes e Baixo Amazonas, já atendemos pacientes que estavam esperando de meses a anos por um exame de imagem ou uma cirurgia no hospital público mais próximo, que fica em Santarém. Às vezes, mesmo quando são chamados, os pacientes não têm recurso financeiros para a viagem de longas horas de barco e ônibus até chegar ao hospital. Também já nos deparamos com situações em que há o hospital, mas a presença de médicos só aconteceu durante nossas atividades.

O que observamos no Brasil é uma grande discrepância na concentração de médicos entre as regiões e estados e entre as capitais e regiões do interior. Por exemplo: no estado do Rio de Janeiro, a proporção é de 3,77 médicos por 1.000 habitantes; em São Paulo, é de 3,50; e no Pará, apenas 1,18. Além disso, a proporção de médicos que se estabelece em grandes centros é mais pronunciada em alguns estados. Assim, no estado de São Paulo, esta razão é da ordem de 2,43, já no Pará é de 10,61, o que demonstra a concentração de médicos na capital.

Acredito que entre os aspectos relacionados à não fixação desses profissionais em áreas remotas estão as condições limitadas de atendimento, a falta de estruturas hospitalares e a dificuldade que o médico encontra, especialmente se ele já tem uma família, de oferecer uma boa escola a seus filhos, entre outras coisas.

Além disso, questões inerentes à carreira do médico, como atualização e perspectivas de crescimento pesam bastante. Portanto, mesmo que se invista no ensino local da medicina, ainda assim é preciso pensar em formas que façam esse médico se fixar na região.

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É uma equação complexa que precisa ser enfrentada e resolvida porque há brasileiros sem assistência médica na Amazônia, e esse é um direito constitucional que nem sempre é cumprido. Por enquanto, ONGs como a Zoé atuam de modo humanitário, muitas vezes de mãos dadas com o SUS, para amenizar a situação. Mas essa população precisa de muito mais!

* Marcelo Averbach é coloproctologista e presidente da ONG Zoé

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