É consensual a ideia de que o Brasil demanda reformas estruturais para reduzir os riscos fiscais, incrementar a produtividade e, assim, elevar o potencial de crescimento da economia e de geração de empregos. Prisioneiro da armadilha da renda média, o país precisa libertar-se dela e diminuir as inaceitáveis desigualdades sociais e pobreza.
Essa agenda foi abraçada por vários governos, inclusive o último do regime militar. Nos últimos 35 anos, ocorreram importantes ainda que insuficientes mudanças institucionais nos campos fiscal, monetário e creditício. Progredimos, mesmo que abaixo do desejável, na privatização, na abertura da economia e na infraestrutura.
Na verdade, como ensinou Douglass North, prêmio Nobel de Economia de 1993, mudanças institucionais complexas acontecem de forma incremental. Leva muito tempo para educar a sociedade sobre a necessidade de mudanças e para convencer o sistema político a apoiá-las. Essa regra simples parece não ter influenciado o ministro da Economia.
Paulo Guedes formulou um diagnóstico alinhado ao consenso, mas subestimou as restrições políticas à aprovação das reformas. O atributo de “Posto Ipiranga”, vontade política e um hipertrofiado Ministério da Economia seriam suficientes para viabilizar uma revolução liberal. Ele explorou em excesso a retórica voluntarista, o otimismo infundado e as simplificações. Promessas pouco sólidas minaram a credibilidade. Confiante, o ministro tachou de social-democratas governos anteriores e os acusou de falta de competência, sugerindo que essa característica agora existiria.
“É necessário poder de persuasão para dissuadir a maioria de preservar visões equivocadas”
Em democracia um grande desafio é formular, aprovar e implementar medidas complexas. Políticas públicas exigem transformar a agenda em programas e projetos concretos e, antes ou simultaneamente, construir coalizões majoritárias. No Brasil, é necessário entender que nossa sociedade desconfia do setor privado, suspeita do lucro e se opõe à privatização (67% em 2019, segundo o Datafolha). Interesses corporativistas resistem à agenda.
Tudo isso requer liderança, coordenação, capacidade de mobilização política e poder de persuasão para dissuadir a maioria de preservar visões equivocadas. Ocorre que o próprio presidente se tornou fonte de reação ao vetar ou boicotar partes da agenda. De fato, cerca de 80% do capital estatal privatizável foi excluído.
Bolsonaro jamais demonstrou possuir habilidade de negociação política para obter a adesão dos parlamentares a medidas impopulares. À desastrosa condução da pandemia e à gestão errática do governo — prova da inaptidão para o cargo — somou-se a inapetência para defender a agenda.
Nem mesmo o regime militar, que não enfrentava restrições típicas da democracia, realizou mudanças estruturais na velocidade e dimensão necessárias e evidentes. A essa altura e dadas suas qualidades intelectuais, Paulo Guedes provavelmente já se deu conta de que sua sonhada revolução liberal para mudar a história do Brasil exige mais do que um simples diagnóstico.
Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733