A economia costuma recuperar-se fortemente após pandemias e guerras. Enquanto isso, incertezas e restrições à mobilidade impedem que se gaste. Buscam-se novas formas de agir, provocando em seguida transformações estruturais. O medo da crise e a redução de oportunidades de consumir e investir induzem à prudência. Poupa-se mais.
Durante a gripe espanhola (1918-1920), no dizer da revista The Economist, os americanos pouparam mais do que em qualquer tempo, salvo na II Guerra. Na época do conflito, a poupança alcançou cerca de 40% do PIB (18% em 2020). Agora, algo semelhante ocorre na pandemia de Covid-19. Na volta à normalidade, os gastos podem ser impulsionados pela dissipação das incertezas e pelo dinheiro acumulado. O investimento se expandirá. No pós-gripe espanhola, surgiu um ambiente de otimismo e entusiasmo.
Nos Estados Unidos e na Europa, os anos 1920 foram chamados de “the roaring twenties” (a estupenda década de 20, em tradução livre). Além da intensa recuperação do PIB, do emprego e da renda, sobreveio um robusto dinamismo nos campos social, artístico e cultural. Heróis do esporte e estrelas do cinema inspiraram novos estilos de vida. O jazz e a dança se popularizaram. Tradições foram rompidas. Tudo parecia possível pela tecnologia: automóveis, aviões, cinema, rádio, aparelhos elétricos, a difusão do telefone. Esse glorioso período interrompeu-se na quebra da Bolsa de Valores de Nova York (1929), por onde começou a Grande Depressão, dos anos 1930.
“Na volta à normalidade, os gastos podem ser impulsionados por menos incertezas e dinheiro acumulado”
É possível que parte desse cenário se repita depois da atual pandemia. Prevê-se inédita recuperação sincronizada nos países desenvolvidos e na China. Nos Estados Unidos — onde estímulos oficiais injetarão 6 trilhões de dólares na economia — o PIB pode crescer 6,4% em 2021, na estimativa da Tendências Consultoria. Na China e na Europa, prevê-se expansão de 8,5% e 3,8%, respectivamente. O mercado de commodities já reflete essa realidade, com forte elevação de seus preços.
Em meio a essas perspectivas, a inflação preocupa. Conceituados economistas americanos apontam riscos inflacionários nos países ricos em razão da maior demanda derivada dos estímulos fiscais e da baixa taxa de juros. Do lado da oferta, os preços se elevam pela disrupção de cadeias produtivas globais — o que gera escassez de peças, partes e componentes — e pelas dificuldades para contratar trabalhadores. Nos Estados Unidos, em abril, o aumento de 4,2% nos preços ao consumidor em doze meses assustou os mercados. A inflação pode, pois, ameaçar o promissor desempenho da economia mundial.
O Brasil se beneficia da elevação dos preços das commodities, malgrado suas consequências inflacionárias recentes, agravadas pelo risco fiscal e pela desvalorização cambial. Se vier a temida inflação nos países avançados, isso nos prejudicará. O bônus decorrente do desempenho da economia mundial nos exporá aos riscos de súbito desaquecimento da economia. Fiquemos alertas.
Publicado em VEJA de 26 de maio de 2021, edição nº 2739