Muitos veem o presidente Jair Bolsonaro como ameaça à democracia brasileira. O temor decorre de atitudes autoritárias, da intolerância, dos ataques à imprensa, da negação da ditadura militar e do elogio a torturadores e ditadores. A revista The Economist, na edição de 22 de setembro de 2018, enxergou ameaça à democracia na América Latina.
Ao que parece, Bolsonaro não entende as funções e os limites do cargo. Até aqui, todavia, tem se submetido ao controle das instituições, entre elas a imprensa vigilante e independente. Ele emite decretos inconstitucionais, que são barrados no Congresso ou no Judiciário. Baixa medidas provisórias, que violam contratos, que são rejeitadas pelo Legislativo. De quebra, enxerga o comunismo em cada esquina. Fantasia!
Por isso, quando comparado a outros presidentes em primeiro ano de mandato, Bolsonaro é campeão em medidas provisórias que, no entanto, perdem validade, em derrubada de vetos pelo Congresso ou em derrotas no Judiciário. Ele está, pois, limitado pelos freios e contrapesos da democracia. E tem, felizmente, a virtude de recuar, como no caso da performance nazista do ex-secretário de Cultura Roberto Alvim, demitido logo após reações negativas da sociedade.
O presidente tem se submetido ao controle das instituições, entre elas a imprensa independente
Uma analogia pode ser vista na recente obra de Daron Acemoglu e John Robinson (The Narrow Corridor — States, Societies, and the Fate of Liberty, 2019). Eles analisam o Estado — a que denominam Leviatã, como na obra de Thomas Hobbes — em três situações. Primeira, a do Leviatã ausente, típico de sociedades sem lei e sem ordem, em que vigora a anarquia e onde Hobbes diz haver “continuado medo e risco de morte violenta. A vida do ser humano é solitária, pobre, desagradável, brutal e curta”.
A segunda é a do Estado forte, provedor de políticas geradoras de progresso e segurança para os cidadãos, mas que podem evoluir para o despotismo, configurando ameaça. A terceira é a do Estado algemado (shackled), o qual é forte quanto for necessário, porém controlado por uma sociedade igualmente firme.
Entre os dois extremos, há um corredor estreito em que o Estado e a sociedade estão em equilíbrio. O poder do Estado é contrabalançado pela capacidade do povo de mobilizar-se para “reclamar, participar de demonstrações e até rebelar-se se ele (o Estado) exceder seus limites”.
O foco do livro é a liberdade, derivada de um delicado equilíbrio de poder entre o Estado e a sociedade. Esta é dominante quando o Leviatã está controlado por instituições fortes. Países bem-sucedidos situam-se no corredor entre o Estado despótico e o Estado ausente, mas dele podem ser expelidos por falhas institucionais.
O livro tem uma perspectiva pessimista sobre a América Latina, baseada em situações da Argentina e da Colômbia. O Brasil não é citado, mas tem tudo para ser um caso de Leviatã algemado. Se os autores avaliarem a solidez de nossas instituições, provavelmente dirão que há riscos para a democracia, mas eles dificilmente se materializarão.
Publicado em VEJA de 12 de fevereiro de 2020, edição nº 2673