O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar em 27 de junho de 2018 pela qual é preciso lei específica para privatizar estatais. A decisão criou insegurança jurídica e prejudicou os esforços da Petrobras para restabelecer sua saúde financeira mediante a venda de empresas que controla.
No mesmo dia, em artigo no jornal Folha de S.Paulo, o ministro invocou o conceito de soberania desenvolvido por Jean Bodin, no século XVI, para defender o domínio do Estado sobre bens de “caráter estratégico”, tais como a flora, as terras agricultáveis, as jazidas minerais, os mananciais de água e os potenciais energéticos. Trata-se de visão que remonta à II Guerra, época em que a existência de conflitos bélicos entre grandes potências ainda justificava o controle estatal de recursos naturais.
Era o que acontecia no Japão. Para suas elites, o poder, a prosperidade e a segurança nacional (e por certo a soberania) dependiam do controle de matérias-primas essenciais que ou o país não possuía ou eram insuficientes. A inspiração era a Grã-Bretanha, cujo império mundial lhe assegurava autossuficiência em recursos estratégicos. Advogava-se uma “nova ordem”, que varreria do leste da Ásia as potências ocidentais. Daí a invasão da China em 1931.
Os americanos apoiavam o governo chinês e condenavam a perversidade dos invasores. Por isso, os líderes japoneses, temendo que os EUA bloqueassem o suprimento de petróleo e metais do Pacífico, decidiram bombardear Pearl Harbor. Imaginavam vencer a decorrente guerra mediante ataques aéreos intensos e inesperados.
O mundo mudou desde então. Não há mais conflitos armados entre grandes potências. O acesso a recursos estratégicos decorre da globalização e do livre-comércio. O Japão prosperou com base em novo conceito de “estratégico” que reúne educação de qualidade, inovação tecnológica e integração à economia global.
Hoje, o desafio estratégico para o Japão é resolver o problema do rápido declínio de sua população. Há mais de quarenta anos o país investe em automação e robótica para substituir mão de obra e aumentar a produtividade. O êxito da familiaridade com robôs na indústria automobilística e eletrônica nos anos 1970 e 1980 pode repetir-se com a inteligência artificial.
O ministro Lewandowski precisa rever conceitos. Além disso, pode ver sua liminar ser rejeitada pelo plenário do STF, já que desde 1997 a Lei nº 9491 autoriza a privatização de estatais federais por decreto. A autorização legislativa é exigida para poucos casos, como o da Petrobras. Se a opinião dele prevalecer, ficará mais difícil privatizar empresas que gerariam mais benefícios sociais se fossem excluídas do controle do Estado.
A Lei nº 9491 substituiu a de nº 8031, de 1990. Há 28 anos, portanto, privatiza-se por ato do Executivo. Se a liminar do ministro for confirmada, tudo poderá ser anulado, inclusive a privatização da Telebras, de 1998. Haveria muita confusão e enormes custos.
Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2018, edição nº 2596