Em fala correta, Lula disse que “não adianta só pensar em responsabilidade fiscal, temos de pensar em responsabilidade social”. As duas ideias não são antagônicas. Depois vieram equívocos e preconceitos. “Para cumprir teto fiscal, geralmente é preciso desmontar políticas sociais e não se mexe com o mercado financeiro. Vai aumentar o dólar e cair a bolsa? Paciência. Mas o dólar não aumenta ou a bolsa cai por causa das pessoas sérias, e sim dos especuladores.” Parece ter defendido a penalização do mercado financeiro, ou seja, não pagar a dívida pública. Um calote, pois.
A segunda fala contém dois erros. Primeiro, os bancos não são o único nem o maior credor do Tesouro. Representam 28,7% da dívida pública mobiliária federal. Os outros 71,3%, ainda que em parte geridos por instituições financeiras, são fundos de investimento, fundos de pensão, previdência privada e Tesouro Direto (pequenos investidores). Trata-se de poupanças individuais ou contribuições para a aposentadoria de milhões de brasileiros. O calote seria arrasador.
O segundo erro: afirmar que especuladores não são pessoas sérias. Lula não esteve só. A presidente do PT, Gleisi Hofmann, tratou a oscilação do dólar e da bolsa como “um movimento especulativo, o que é muito ruim para o país”. Na verdade, houve uma reação típica de mercados maduros, que fogem de ativos ao menor sinal de risco de perdas.
“Especulação, para os brasileiros, é sinônimo de má-fé, uma situação que não acontece em mercados maduros”
A maioria dos brasileiros vê com maus olhos o especulador. No dicionário Aurélio, diz-se que ele é um “indivíduo que age de má-fé, procurando tirar proveito de uma situação, de determinada coisa”. Nos dicionários de língua inglesa, especulador é quem “investe em ações, propriedades e outros riscos, na expectativa de ganhar, sob o risco de perder”.
Quando vista apropriadamente, especulação é coisa de gente séria. Pode ser nociva, mas isso costuma ocorrer em mercados disfuncionais, mal regulados e por isso muito voláteis. Na maior parte do tempo, funciona bem. A especulação caracterizada por compra e venda de ativos forma preços. Emite sinais indispensáveis ao bom funcionamento da economia. Cotações em bolsas de mercadorias orientam decisões de agricultores, pecuaristas e das áreas de recursos naturais. Mudanças no clima influenciam movimentos especulativos que emanam sinais para o setor rural.
Há outras formas de definir especulação. Segundo o dicionário Cambridge, ela pode ser entendida como “atividade que imagina possíveis respostas para uma questão sobre a qual não se dispõe de informações seguras”. Pode-se especular sobre rumores de demissão de um ministro ou sobre o desenlace de uma crise conjugal. No campo da ciência, especulação pode referir-se a conjecturas sem evidência firme.
Ao falarem de modo inapropriado sobre especuladores, Lula e Gleisi não percebem que grande parte do dinheiro que eles movimentam é canalizada para financiar atividades que geram riqueza, renda, emprego e bem-estar. Em última análise, somos todos especuladores.
Publicado em VEJA de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820