A manifestação do MP que pode absolver Melhem do caso de assédio sexual
Processo foi interrompido e decisão agora cabe à segunda instância da justiça

O inquérito no qual oito mulheres acusam Marcius Melhem de assédio sexual tem mais de 2400 páginas e, com base nele, a justiça tornou réu em agosto de 2023 o ex-diretor do núcleo de humor da Rede Globo por três integrantes do grupo original de supostas vítimas. Elas deveriam ser ouvidas novamente no começo deste mês, agora, em audiências de instrução, mas uma importante manifestação do Ministério Público do Rio de Janeiro desencadeou uma reviravolta no caso. Inicialmente favorável à denúncia contra Melhem, o MPRJ mudou completamente sua posição após avaliar os argumentos da defesa de Melhem em resposta à acusação. Em 28 de maio o promotor Luís Augusto Soares de Andrade, da 20a Vara Criminal do Rio, concluiu pelo não recebimento da denúncia — na prática, pediu o arquivamento do caso. Resta à turma formada por três desembargadores da 3a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro julgar se o caso deve ou não ser encerrado. A expectativa é a de que isso seja decidido em breve.
Na manifestação do MPRJ que pode ter um peso definitivo na absolvição de Melhem, o órgão acusador da ação penal argumenta que a denúncia deve ser encerrada por uma série de inconsistências. Na peça de doze páginas o promotor Andrade cita como problemas da acusação a imprecisão de datas dos fatos e as descrições genéricas dos locais onde esses crimes teriam ocorrido. Na análise de diálogos de whatsapp anexados ao inquérito como provas, sendo que boa parte deles foram trazidos aos autos por iniciativa da defesa, o promotor chama atenção pelo tom de intimidade que havia entre Melhem e as demais profissionais do núcleo de humor da Globo. Ele argumenta que, em nenhum momento da investigação, se provou algum constrangimento das mulheres com essas conversas. Andrade nota que havia um clima de intimidade consentida e reforça essa percepção citando símbolos de risos e de corações trocados nos diálogos com Melhem que as supostas vítimas classificaram depois como inoportunos.
As denunciantes disseram na investigação e em entrevistas que mantinham esse tom nas conversas pelo medo de serem depois perseguidas profissionalmente por Melhem. O promotor Andrade questiona fortemente a argumentação, citando o fato de que o cargo de Melhem não lhe dava o poder de definir os destinos das carreiras das supostas vítimas dentro da Globo. A relação hierárquica entre abusador e vítima é fundamental para determinar a ocorrência do crime descrito da seguinte forma no artigo 216-A do Código Penal: “constranger alguém com o: intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Voltando ao caso Melhem, de acordo com a manifestação do MPRJ, que é bastante taxativa neste e em outros pontos de críticas à denúncia, não se observou no processo qualquer constrangimento das supostas vítimas nas relações com o acusado, tampouco abordagens dele com a utilização de superioridade hierárquica objetivando favores sexuais. Em alguns episódios, sustenta ainda o promotor com base nas peças do inquérito, foram algumas dessas mulheres que tomaram a iniciativa de flertar com Melhem nos diálogos de intimidade recíproca, com abordagens até mais ousadas, com clara conotação sexual.
A juíza responsável pelo caso, Juliana Benevides, não concordou com os argumentos do MP e marcou as primeiras audiências do julgamento. Em resposta a essa decisão, a defesa de Melhem ingressou com um pedido de habeas corpus na segunda instância da justiça do Rio, pedindo o trancamento da ação penal por ausência de justa causa. O desembargador Paulo Rangel determinou a suspensão das audiências até a decisão da turma da 3a Câmara Criminal do TJ-RJ pelo trancamento da ação ou retomada das audiências. Na sequência, Rangel remeteu os autos à 7a Procuradoria de Justiça de Habeas Corpus do MPRJ. Ali, o promotor Ellis Hermydio Figueira Júnior manifestou-se de forma contrária ao colega de primeira instância, Luís Augusto Soares de Andrade, sendo a favor da retomada dos trabalhos.
Antes de o caso chegar aos tribunais, a Rede Globo fez uma investigação interna a respeito das denúncias. Posteriormente, a emissora disse à justiça que o assédio não foi comprovado. O caso foi levado a público pela advogada Mayra Cotta, em entrevista à Folha de S. Paulo em outubro de 2020. Na época, a representante das supostas vítimas declarou que não havia interesse em judicializar o caso. Quem primeiro procurou a justiça foi Melhem, em busca de reparação contra os estragos que as denúncias provocaram em sua carreira e em sua vida pessoal.
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
Em paralelo ao caso de assédio sexual, oito das supostas vítimas procuraram o Ministério Público de São Paulo acusando Melhem do crime de violência psicológica pelos vídeos que ele vem postando em seu canal de YouTube para se defender das acusações. Quatro desses casos já foram julgados na 36a Vara Criminal do RJ. Quatro peritas do MP analisaram 132 vídeos do canal e chegaram à conclusão de que Melhem apenas exerce ali seu direito à defesa. Tanto a promotora como o juiz responsável pelo caso concordaram com essa análise. A acusação recorreu à Câmara Criminal do MP e foi novamente derrotada — de forma unânime, por três promotoras. Posteriormente, o Sub-Procurador Geral de Justiça do RJ, Marcelo Pereira Marques, endossou essa decisão, encerrando de vez o caso.
As outras quatro denúncias por violência psicológica foram também descartadas pelo Ministério Público da 20a Vara do RJ, mas a juíza Juliana Benevides decidiu dar prosseguimento ao caso envolvendo esse núcleo de supostas vítimas, transformando Melhem em réu. A decisão foi publicada no final de julho. Os advogados de Melhem devem agora apresentar a defesa.
Melhem segue com seu canal ativo no YouTube. Ele já reúne mais de 300 vídeos, acumulando cerca de 10 milhões de visualizações. Segundo o trabalho de perícia que o inocentou em quatro dos oito casos de violência psicológica, as peças têm um tom indignado e representam uma clara reação aos ataques públicos que recebeu da advogada de acusação e das supostas vítimas de assédio sexual.
Procurados por VEJA para comentar o caso de assédio sexual e o da violência psicológica, os advogados de Melhem e os das supostas vítimas não quiseram conceder entrevistas, argumentando que esses processos correm na justiça sob sigilo.