As lágrimas do presidente da OAB
Indefinição sobre os desaparecidos prorroga dores que deveriam ter sido superadas
Há alguns anos, tive um almoço de trabalho com Felipe Santa Cruz, que então ocupava a presidência da OAB-RJ. O tema da conversa era o lançamento de uma campanha ligada ao tema dos mortos e desaparecidos pela ditadura. Eu, que editava uma coluna de um jornal carioca, publicaria nota sobre o assunto.
Em determinado momento da conversa — testemunhada por uma colega que fazia a assessoria de imprensa da OAB —, toquei no nome do pai de Felipe, Fernando Santa Cruz, sequestrado pela ditadura em 1974 e que desde então integra a lista de desaparecidos. É possível que eu tenha citado que era vizinho de dona Risoleta, mãe de Eduardo Collier Filho, que havia sido preso com Fernando e que também nunca mais seria visto.
Para minha surpresa, diante da simples citação do nome de seu pai, Felipe — advogado, presidente de importante seccional da OAB — começou a chorar. Não ficou apenas de olhos marejados, chorou de maneira incontrolável. As lágrimas jorraram — Felipe parecia impassível, seu rosto não ficou vermelho, ele não soluçou, mas não conseguia parar de chorar.
Fiquei comovido, constrangido, pedi desculpas. Soube depois que a cena não era incomum, que Felipe sempre se emocionava ao ser surpreendido por uma citação ao pai que mal conheceu — tinha pouco menos de 2 anos quando ele foi levado.
Hoje, o que está em jogo não é a atuação de Fernando Santa Cruz e de Eduardo Collier Filho, o que fizeram ou deixaram de fazer. A questão não é ideológica, mas humana. As mães de Eduardo e Fernando morreram — uma com mais de 90 anos, outra com 105 anos — sem saber o que foi feito de seus filhos, nem sequer tiveram o direito de enterrá-los. Uma incerteza transmitida ao longo de gerações, que reaviva dores, que impede que as lágrimas sequem.