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Embaixador em Madri acusa El País de ‘imperialismo’ e ‘tara’ contra Brasil

Ex-assessor de Michel Temer, Pompeu Andreucci Neto responde a editoral que aponta 'irresponsabilidade' de Bolsonaro na condução da pandemia

Por Denise Chrispim Marin Atualizado em 29 Maio 2020, 15h43 - Publicado em 29 Maio 2020, 15h26
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  • O embaixador do Brasil em Madri, Pompeu Andreucci Neto, empenhou-se em cumprir as instruções do Itamaraty de se contrapor às publicações que opinam com propriedade sobre os fatos mais recentes do país, em especial, a negligência do governo federal no combate à Covid-19 e os seus flertes com a via autoritária. Em carta de quatro páginas enviada na quinta-feira 28 ao El País, o diplomata acusa o jornal espanhol de manter uma fixação pelo Brasil que “beira as raias de uma verdadeira tara”, de “arrogância obscurantista” e de “vocação neocolonialista”. Andreucci não está só nessa cruzada. Para indignação da maioria de seus colegas de carreira, se vê acompanhado de uma porção de embaixadores ciosos em mostrar serviço a Brasília.

    A reação de Andreucci teve como ápice o editorial “Brasil em Perigo”, publicado na edição de terça-feira 26. O texto resume o atual quadro político e social brasileiro em três parágrafos. Nada além dos que os meios de comunicação do país registram e opinam diariamente. Aponta os 360.000 contágios e as mais de 22.000 mortes causadas pelo Covid-19 – agora já são 438.238 casos e 26.754 óbitos -, a insistência do presidente Jair Bolsonaro em negligenciar a quarentena e em não ouvir os especialistas, a demissão de dois ministros da Saúde em um mês, a situação crítica dos hospitais, o volume mínimo de testes já realizados e a preocupação máxima do líder brasileiro com a “hecatombe econômica, que frustraria uma eventual reeleição em 2020”.

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    O texto informa sobre os pedidos de impeachment apresentados ao Congresso pela oposição, a investigação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a interferência do presidente na direção da Polícia Federal e o vídeo da reunião de gabinete do último 24 de abril, quando Bolsonaro se postou em defesa de sua família contra investigações e pleiteou o armamento da população. Menciona ainda sua barganha de cargos com o Centrão, que já comanda dez dos 22 ministérios. “O Brasil se encaminha para o pico da pandemia em um contexto que traz graves riscos”, concluio editorial, depois de ter acentuado a “irresponsabilidade” de Bolsonaro ao lidar com a pandemia.

    Talvez por não acompanhar diuturnamente o noticiário brasileiro, o embaixador tenha se esforçado em trilhar o oficialismo extremo sua carta à diretora do El País, Soledad Gallego-Díaz. Os clippings de notícias enviados aos postos no exterior foram suspensos pelo Itamaraty. Mas a hipótese mais comum entre seus colegas é a de que Andreucci, braço direito do ex-presidente Michel Temer desde seus tempos como vice e chefe de Estado, está cioso em mostrar serviço à atual administração – até porque mantém uma posição de importância no exterior, para a qual foi designado por Temer, ao contrário de outros que tiveram cargos relevantes no governo anterior.

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    Andreucci, em sua longa missiva, se queixa de El País cobrir com “maior amplitude as notícias negativas sobre o Brasil do que sobre os acontecimentos no continente europeu” e “se detém no nocivo, excêntrico ou exótico”, como se o Brasil estivesse gerando notícias diferentes neste momento. Bastava dar uma olhada na série de editoriais publicada pelo jornal, reconhecido mundialmente pelas sua aguçada cobertura de temas internacionais, para constatar a falha dessa afirmação. O embaixador chega a insultar toda a redação do jornal ao dizer que está empesteada de “pensamento ideológico retrógrado, arrogante e imperialista”. Vai além, e o acusa de “insultar, espargir lições de governo ‘aux bons sauvages du Brésil’ (aos bons selvagens do Brasil) e aos ‘pobres’ e ‘atrasados’ ‘ibero-americanos'”.

    Atitude semelhante já havia sido protagonizada pelo embaixador do Brasil em Paris, Luís Fernando Serra, um diplomata alinhado ao bolsonarismo desde a campanha eleitoral de 2018. Em carta a Le Monde, Serra afirmar que, “enganando os fatos”, o jornal francês “acaba acreditando nas ficções que cria”.  O embaixador criticava a reportagem “Brasil: Bolsonaro ignora a catástrofe”, publicada em 19 de maio, no qual o periódico alerta para o risco de o governo federal arrastar o país a um “voo às escuras” durante a pandemia de Covid-19. “Sem dúvida, há algo de podre no reino do Brasil, onde o presidente, Jair Bolsonaro, consegue dizer, sem pestanejar, que o coronavírus é uma ‘gripezinha’ ou uma ‘histeria’ nascida da ‘imaginação’ da mídia”, informa o jornal, com base em declarações do próprio chefe de Estado.

    Em seu afã de defender o governo federal, Serra chega a afirmar na carta que “o presidente Bolsonaro nunca negou a existência do Covid-19″ – algo incoerente à luz dos fatos. “O que ele fez desde o início da crise da saúde é tentar impedir que a histeria ou o pânico se apoderem do povo.” Em fevereiro passado,  o embaixador já dera um mostra suficiente de seu alinhamento ao encaminhar carta a parlamentares francesas para manifestar sua “profunda indignação” com a maior atenção delas ao assassinato da vereadora carioca Marielle Franco do que ao atentado contra o presidente Jair Bolsonaro durante sua capanha eleitoral de 2018 e o crime contra o ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, em 2002. A missiva foi endereçada à senadora Laurence Cohen, do Partido Comunista francês, e à deputada Christine Pirès, do Partido Socialista. Serra chegou a pedir esclarecimento a ambas.

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    Serra chegou a ser cotado para o comando do Itamaraty no final de 2018, mas perdeu o posto de chanceler para o embaixador Ernesto Araújo, cujo nome foi apoiado pelo assessor internacional de Bolsonaro, Filipe Martins, um fiel seguidor da doutrina de extrema-direita de Olavo Carvalho.

    Também uma diplomata cuja carreira foi especialmente impulsionada durante os governos petistas, Maria Nazareth Farani Azevêdo, têm prestado amplos serviços a Brasília desde seu posto de representante do Brasil ante os organismos das Nações Unidas em Genebra, na Suíça. Farani tem sido uma das principais executoras da mudança da orientação da política externa de Araújo em matéria de Direitos Humanos, que contradiz toda a tradição diplomática brasileira, e, especialmente, da defesa da inação do governo de Bolsonaro durante a pandemia de coronavírus. Chegou a dizer-se “vítima do PT”.

    É certo que a posição de representante do Brasil no exterior inclui, entre as suas atribuições, a permanente defesa do Estado brasileiro. Há diplomatas que leem essa missão como a defesa incondicional do governo em curso. Os embaixadores têm sido pressionados pelo gabinete de Araújo a serem mais responsivos aos noticiários do Brasil publicados pela imprensa internacional. Mas, como diz um veterano no Itamaraty, há como cumprir a tarefa sem se expor individualmente ao ridículo e à contradição. A linguagem diplomática permite navegar nessa corda-bamba e preservar a biografia.

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