A Advocacia-Geral da União (AGU), órgão que fala judicialmente em nome do governo federal, enviou uma manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo para a Corte suspender a lei do estado de São Paulo que permitiu a privatização da Sabesp, companhia de saneamento que atende o território. No mesmo caso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) entendeu, por motivos técnicos, que a legislação deve ser mantida.
O caso é uma ADPF (ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental) proposta na última terça-feira, 16, pelo PT junto com o Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento. Eles pediram uma cautelar (tipo de decisão de urgência) para suspender não apenas a lei nº 17.853/2023 do estado de São Paulo como também as decisões que estão nas atas de reuniões do Conselho de Administração da Sabesp e do Conselho Diretor do Programa de Desestatização. Esses atos administrativos foram etapas que permitiram a aprovação da lei que privatizou a companhia.
O caso foi distribuído ao ministro Cristiano Zanin. Porém, como ele está no recesso do Supremo, que vai até o final de julho, e havia um pedido do urgência, o ministro Luís Roberto Barroso o substituiu, pedindo manifestações da AGU, PGR e do governo de São Paulo em 24 horas, para decidir se concede ou não a cautelar. Como as três entidades já se manifestaram, a decisão pode sair a qualquer momento.
Conflito de interesses
Um dos argumentos usados pela AGU em seu parecer é o de que Karla Bertocco Trindade, executiva que atuou na presidência do Conselho de Administração da Sabesp, também fez parte do Conselho de Administração da Equatorial Energia, empresa que tem interesse nas ações da Sabesp. As ações foram precificadas em 67 reais, valor que, de acordo com a AGU, está abaixo das práticas de mercado.
“Desse modo, a executiva Karla Bertocco Trindade, que ocupava concomitantemente vaga no Conselho de Administração da Sabesp e no Conselho de Administração da Equatorial Energia, maculou indelevelmente o processo de desestatização. Dias após ter deixado o conselho da empresa privada, foi editada a lei de desestatização, processo no qual a empresa em que atuava se consagrou como a Investidora de Referência da Sabesp. Essa circunstância configura situação de grave conflito de interesses apto a ofender frontalmente os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa”, disse a AGU no parecer enviado ao Supremo.
Em outro trecho, o AGU substituto, Flávio José Roman, disse que “a permanência da executiva no board da estatal durante todo o processo de desestatização gerou inegável situação de conflito, considerado o curto período antecedente em que estava na empresa privada. Em verdade, nas situações de conflito de interesses, tal como a mulher de César, não basta ser honesta, é preciso parecer honesta”.
Ação inadequada
Por outro lado, o procurador-geral da República ,Paulo Gonet, deu uma opinião diversa. Para ele, a ADPF não é o instrumento adequado para questionar as atas dos Conselhos — o que, na sua avaliação, demandaria aguardar a fase processual de produção de provas. “Enquanto ação de contornos marcadamente objetivos, a ADPF não se afigura, porém, a via adequada para a apuração de condutas ilícitas, notadamente quando a solução da controvérsia demandar dilação probatória e incursão em análise exauriente de fatos e provas”, diz o parecer.
Outros casos
Essa não é a única ação judicial no Supremo que questiona a privatização da Sabesp. Também na terça-feira, uma coalisão formada por PSOL, Rede, PT, PV e PCdoB ingressou com outra ADPF questionando a constitucionalidade de uma lei municipal, aprovada pela Câmara dos Vereadores de São Paulo, que permite que o poder público faça contratos de abastecimento de água e saneamento, retirando o monopólio da Sabesp. Nesse caso, a Corte deu três dias para que as entidades se manifestem antes de decidir sobre a liminar pleiteada.