O desconforto do setor de energia com a pressão do governo sobre a Enel
Possibilidade de cassar a concessão da empresa por problemas em SP, aventada pelo ministro Alexandre Silveira, é criticada por duas entidades
Nos últimos dias, a retórica mais dura do governo federal em relação à Enel em São Paulo vem causando um certo desconforto entre empresas de energia elétrica que detêm concessões públicas. Na segunda-feira, 1º , o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, determinou que as autoridades do setor elétrico investiguem se a concessionária tem cumprido suas obrigações na prestação de serviços na cidade de São Paulo e chegou a citar a possibilidade de haver a cassação do contrato — algo que, segundo especialistas, seria uma medida precipitada no cenário atual.
Em nota, a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) informa que as empresas do setor investiram mais de 32 bilhões de reais no Brasil no ano passado, sendo cerca de 40% na melhoria das instalações elétricas, e ressalta que é “legítima” a movimentação do ministério “visando ao enfrentamento aos problemas vivenciados” pelos consumidores, mas faz uma ressalva. “A Abradee está segura de que este procedimento respeitará as regras e legislação vigentes no setor, sobretudo para casos relacionados ao término do contrato de concessão”, diz o comunicado.
Por lei, a regulação do setor elétrico no Brasil e a penalização das concessionárias é atribuição da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que tem competência para fiscalizar o fornecimento de energia, aplicar multas e, em última instância, decretar intervenções do poder público para garantir a prestação dos serviços.
Na prática, porém, são raros os casos em que são adotadas as punições mais drásticas, que incluem o afastamento da diretoria da companhia, a nomeação de interventores para assumir as operações e a anulação contratual. “A caducidade do contrato é a pena mais grave prevista pela legislação da Aneel, e acontece apenas se for comprovado que a concessionária não tem condições econômicas de prestar os serviços”, diz Alexei Vivan, diretor-executivo da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE), acrescentando que o Grupo Enel é “financeiramente saudável” e representa uma das maiores empresas da Europa em valor de mercado.
Série de problemas
A pressão do governo vem após uma sequência de falhas registradas pela Enel na prestação do serviço em São Paulo. Desde 2018, a empresa recebeu sanções que somam 700 milhões de reais, entre multas aplicadas pelas agências reguladoras da União e do Estado de São Paulo e compensações financeiras por problemas causados aos consumidores por falhas na prestação de serviços.
A penalidade mais recente chega a quase 166 milhões de reais, em razão dos apagões de novembro de 2023, que afetaram mais de 1 milhão de residências em São Paulo e municípios da região — algumas áreas ficaram mais de uma semana sem luz. Em março deste ano, novas interrupções deixaram áreas da região central da capital paulista sem energia por vários dias.
Para alguns especialistas, os apagões registrados em São Paulo durante as fortes chuvas em novembro do ano passado foram resultado de condições climáticas extremas. “A qualidade dos serviços de energia precisa ser avaliada de forma evolutiva, não pontual. O contrato de concessão da Enel tem duração de trinta anos”, esclarece o professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na visão do acadêmico, a operação do setor elétrico envolve uma grande complexidade técnica e é preciso evitar abordagens de viés político. “As concessionárias não podem ser tratadas como adversário político pelo poder público”, avalia.
Histórico ruim
O desconforto entre as empresas com a possibilidade de uma intervenção mais drástica do governo na Enel também é decorrente do sentimento de que a atual gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem um viés intervencionista forte.
São lembrados, entre outros, o anunciado objetivo de reverter a privatização da Eletrobras, a tentativa de emplacar o ex-ministro Guido Mantega no conselho de administração da Vale e as decisões de caráter político tomadas na Petrobras, como a de não pagar dividendos extraordinários aos acionistas, tomada em março deste ano.