Apesar de ser facultativa, a eleição para os conselhos tutelares teve participação recorde neste domingo, 1º, segundo estimativa do Ministério dos Direitos Humanos — mais de 56 mil urnas foram utilizadas. Havia 30.000 vagas em disputa pelo país, que viraram motivo de uma grande disputa de cunho ideológico entre conservadores e progressistas, como mostrou reportagem de VEJA.
A mobilização pelo comparecimento às eleições envolveu caras conhecidas tanto à direita — como a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e as deputadas Bia Kicis (PL-DF) e Carla Zambelli (PL-SP) — quanto à esquerda, com nomes como o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP), a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP).
Mas por que houve tanto frenesi ideológico em torno da eleição?
Os conselheiros são responsáveis por garantir os direitos e a proteção de menores de 18 anos, previstos no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Esses representantes atendem vítimas de violência, abuso sexual e abandono parental, garantem a matrícula e frequência obrigatórias em escolas e creches, a inclusão em serviços e programas de proteção e encaminham para tratamento médico ou psicológico.
Parlamentares ligados ao bolsonarismo e lideranças religiosas entraram na campanha para eleger candidatos conservadores com a justificativa de que visam a proteção das crianças e adolescentes de uma suposta ideologia de esquerda. O discurso utilizado é parecido com o das eleições de 2022, com argumentos contra a descriminalização das drogas e do aborto, a favor da família e contra a chamada “ideologia de gênero”. Reportagem de capa de VEJA desta semana mostra que a batalha pelos conselhos tutelares ocorre no bojo de uma ampla ofensiva conservadora no país.
A legislação brasileira autoriza o aborto em casos de risco de vida da mãe, abuso sexual ou anencefalia. Além disso, ter relações sexuais com menores de 14 anos é considerado estupro, mesmo com consentimento. O conselho tutelar não tem permissão para interferir nesses casos. Porém, na prática, conselheiros ligados a igrejas evangélicas têm atuado nesse campo. Em Igarapé-Miri (PA), conselheiras tentaram impedir o aborto legal de uma menina de 17 anos, vítima de violência sexual, segundo reportagem da Agência Pública. Em 2020, a então ministra dos Direitos Humanos Damares Alves agiu nos bastidores e ofereceu benfeitorias ao conselho tutelar de São Mateus (ES) para tentar impedir que uma criança de 10 anos interrompesse a gravidez fruto de estupro, segundo o jornal Folha de S. Paulo.
Guerra ideológica
A disputa entre os espectros políticos para a eleição faz parte de uma estratégia para ocupar outros espaços e ganhar visibilidade. Além disso, os conselhos também são considerados um trampolim para quem deseja disputar cargos de vereador ou prefeito em 2024.
A esquerda incentivou a escolha de candidatos considerados progressistas, em uma tentativa de reduzir a representação de conselheiros ligados a igrejas evangélicas e de viés conservador. “Preocupa, e muito, como agiriam conselheiros tutelares fundamentalistas frente a denúncias de racismo religioso, violência de gênero e violência LGBTFóbica”, afirmou a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) nas redes sociais.
O pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, criticou a movimentação da esquerda contra os evangélicos. “Uma campanha promovida por esquerdopatas, ativistas gays, gente que nos odeia, artista vagabundo que debocha da fé cristã, jornalistas, é uma piada”, disse.
Um grupo de organizações ligadas aos direitos humanos criou um site com a lista de candidatos comprometidos com o ECA, divulgada por influenciadores e famosos de esquerda, como o humorista Gregório Duvivier, a atriz Leandra Leal e a chef de cozinha Paola Carosella.