O caos provocado pelas chuvas no Rio Grande do Sul levou o governo estadual e as prefeituras a abrir de forma emergencial centenas de abrigos para atender famílias que tiveram suas casas tomadas pela água desde o final de abril. Segundo dados da Defesa Civil do estado, são mais de 76 mil pessoas nessa situação hoje, entre elas condenados do sistema prisional que cumpriam pena no regime semiaberto antes da catástrofe e, assim como os demais moradores, precisaram ser acolhidos em espaços públicos ou privados.
Mas, para o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), a presença dos apenados ‘contamina’ os abrigos e precisa ser revertida pelo Judiciário a partir da criação de “abrigos alternativos”, sem especificar em detalhes como seria tal modelo. A cobrança gerou atrito com a representação gaúcha da Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD), que agora acusa o prefeito de preconceito e discriminação contra parte da população que sofre igualmente com as consequências do desastre climático no Rio Grande do Sul.
A polêmica teve início na semana passada, quando Melo foi às redes sociais declarar “preocupação” em relação à segurança nos abrigos em função da presença de apenados do sistema semiaberto monitorados ou não com tornozeleiras eletrônicas. “Não podemos expor a população a conflitos de segurança dentro dos espaços. Existe alinhamento com Estado e Ministério Público para abrigo alternativo, mas precisamos do entendimento do Judiciário e da Defensoria Pública”, escreveu no sábado, 11. No dia seguinte, porém, em entrevista à TV Pampa, o prefeito subiu o tom: “Não é questão de preconceito. Eu não posso ter 15.000 pessoas acolhidas – crianças, mulheres, homens, trabalhadores – e contaminar com gente que é do sistema penal. O que eu espero é um consenso para que a gente resolva isso”, afirmou.
A VEJA o juiz-corregedor do Tribunal de Justiça do estado, Bruno de Lamare, explicou que não compete ao Poder Judiciário qualquer decisão sobre eventuais abrigos alternativos para receber condenados do semiaberto. “Isso deve ser definido pelo governo estadual. Aliás, há presos do regime semiaberto nos abrigos porque não há vagas no sistema para todos. Eles já cumpriam suas penas em casa com monitoramento eletrônico justamente por isso”, explicou. A AJD sustenta que o regime semiaberto tem déficit de vagas desde 2012 e que o número de tornozeleiras eletrônicas atualmente disponibilizado pelo governo é insuficiente.
Monitoramento
Em nota, a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo afirmou que os condenados acolhidos em abrigos de Porto Alegre são monitorados e acompanhados pela Polícia Penal, que já solicitou autorização judicial para que deixem a monitoração eletrônica e retornem a estabelecimentos prisionais compatíveis com seu regime de pena.
No último sábado, 11, o Estado e a Prefeitura de Porto Alegre, com a participação do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, realizaram uma reunião para tratar das questões de segurança dentro dos abrigos, mas o encontro terminou sem uma solução definida.