Em 1999, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estabeleceu os Princípios de Governança Corporativa, que se tornaram uma ferramenta de referência para países de todo o mundo. Após um extenso processo de revisão em 2004, este documento reflete o amplo consenso sobre a importância crítica de boa governança corporativa para a estabilidade político-econômica, passando a influenciar até as estruturas judiciárias.
De fato, Jonathan Soeharno, na obra “The Integrity of the Judge: A Philosophical Inquiry” afirma que há uma ascensão do conceito de integridade do juiz nas sociedades democráticas contemporâneas.
Este conceito moderno de integridade do juiz, ou integridade judicial, surge em um contexto concreto caracterizado por elementos como: (i) erros judiciais: devido ao maior escrutínio da mídia, do jornalismo investigativo, de novas evidências científicas, como análise de DNA, entre outros, os erros judiciais estão mais propensos a serem detectados e divulgados. Esses erros têm um impacto drástico na confiança na eficiência do Judiciário como um todo; (ii) crescente interesse pelas personalidades dos juízes e suas vidas: o fenômeno da midiatização possibilitou um fluxo exponencial na troca de informações e a possibilidade de um maior interesse e uma maior atenção à vida dos juízes em suas vidas privadas. Os cidadãos passaram a se informar com maior velocidade e assiduidade sobre a trajetória pessoal dos magistrados, suas convicções religiosas, filosóficas e políticas, e assim por diante; (iii) preconceito corporativo: a super ou a sub-representação com base em gênero, classe social, região, formação religiosa, etc. tornou-se alvo de combates políticos frequentes; (iv) suborno: o suborno pode incluir a aceitação de presentes e incentivos monetários em troca de decisões favoráveis, para acelerar as resoluções, para evitar o processo ou “perder” arquivos; (v) corrupção organizacional: o uso indevido de fundos para fins corporativos ou enriquecimento pessoal ilícito, como contratação de amigos ou familiares, ou reforma de prédios judiciais por quantias exageradas de dinheiro.
Todos estes fatores somam-se ao crescente poder do judiciário. Soeharno afirma que, de modo geral, o poder do juiz tende a crescer com a complexificação da sociedade. Para atender às intrincadas demandas de uma sociedade plural, o legislador pode ser mais inclinado ao uso de normas abertas e leis flexíveis, que nem sempre têm efeito positivo sobre a qualidade do direito. Assim, o juiz passa a “corrigir” a lei, o que muda a relação crítica entre os poderes. É neste cenário de crescente complexidade que as instituições judiciárias passaram a adotar, então, recomendações, iniciativas e sistemas de integridade. No Brasil, por exemplo, é paradigmática a Resolução no 410 de agosto de 2021 do Conselho Nacional de Justiça, então presidido pelo Ministro Luiz Fux, que dispõe sobre normas gerais e diretrizes para a instituição de sistemas de integridade no âmbito do Poder Judiciário. Adotadas com êxito pelas economias desenvolvidas, estas práticas precisam evoluir no Brasil com o acompanhamento cívico-democrático por parte dos cidadãos.
Evidente que o comportamento probo e ilibado dos magistrados é exigência intrínseca do ofício. Contudo, o que se tem em vista agora é uma renovada concepção da gestão organizacional das instituições judiciárias. Nas democracias constitucionais, a integridade não é apenas uma obrigação do titular do cargo público, mas também a própria instituição. Portanto, o sistema de integridade no âmbito judiciário implica em manter a confiança do público aos valores institucionais, de modo a assegurar muito mais que a legitimidade formal, mas a legitimidade democrática de fato da instituição. Em outras palavras, a conduta do juiz deve estar alinhada com os valores que a instituição simboliza. Sua má conduta pode corroer esses valores e, assim, a base de legitimidade democrática.