A jogada das companhias aéreas para reduzir os direitos dos passageiros
Ação que tramita no STF quer trocar a proteção do Código de Defesa do Consumidor por uma lei de 1986, feita para regular a aviação…

O Supremo Tribunal Federal discute, no Tema 1417 de repercussão geral (ARE 1.560.244), uma decisão que pode redefinir os direitos de milhões de brasileiros: afinal, deve prevalecer o Código de Defesa do Consumidor ou o Código Brasileiro de Aeronáutica quando se trata de atrasos, cancelamentos e falhas no transporte aéreo?
A diferença é abissal. O CDC nasceu para proteger o lado mais frágil da relação de consumo, garantindo direitos claros em situações que afetam diariamente os passageiros: direito à informação, assistência material (alimentação, hospedagem, transporte), reacomodação, reembolso e, quando o transtorno é significativo, indenização por danos morais.
Já o CBA, de 1986, foi criado antes mesmo da Constituição de 1988. Seu foco é regulatório e técnico: disciplinar a aviação civil, definir competências, estabelecer limites de indenização e listar hipóteses em que as companhias não respondem pelos danos. Ele nunca foi concebido para proteger o consumidor. Pior: abre uma lista de exclusões de responsabilidade que vão de condições climáticas a pandemias.
Em outras palavras, o CBA não garante direitos efetivos nos casos que mais geram reclamações no Brasil — atrasos, cancelamentos e overbooking. Justamente os problemas que transformam a vida do passageiro em um calvário.
Os argumentos das companhias aéreas também não resistem ao teste da realidade. Enquanto elas reclamam do alto volume de ações judiciais, um levantamento da plataforma de acesso à Justiça Resolvvi, feito com base em dados oficiais e dos tribunais, estima que, de todos os passageiros que sofreram alguma lesão, menos de 5% acionaram o Poder Judiciário para buscar indenização em casos de atrasos, cancelamentos, overbooking ou perda de bagagem. O problema não é excesso de processos, mas excesso de desrespeito.
Se o STF privilegiar uma lei de 1986 em detrimento de um código moderno, construído a partir da Constituição e constantemente atualizado, estaremos diante de uma volta ao passado. O Brasil de hoje não é o de 1986. Voar deixou de ser privilégio: tornou-se serviço essencial. A decisão do Supremo mostrará se o país seguirá adiante com a Constituição ou se condenará os passageiros a reviver uma era em que seus direitos simplesmente não existiam.