A vinculação explícita feita pelo presidente Jair Bolsonaro entre a troca da superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro e a proteção de sua família dificultará, e muito, o arquivamento da investigação que apura as denúncias do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Nesta terça-feira (12), Bolsonaro tomou o maior revés no caso que ameaça até afastá-lo do poder. E a versão de Moro ganhou força.
A avaliação é de investigadores da PF e do Ministério Público Federal ouvidos pela coluna ao analisarem os relatos do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, no Palácio do Planalto, anexado no inquérito que apura suposta interferência na PF por Bolsonaro.
Como informado por Veja, o presidente subiu o tom e atacou duramente a Polícia Federal na última reunião ministerial com a presença de Sérgio Moro no Palácio do Planalto. “Querem f* com minha família”, disse Bolsonaro em tom agressivo no encontro e cuja a gravação, realizada ironicamente pela presidência, agora é uma das principais evidências no inquérito.
Policiais não trabalham uma investigação à espera de uma “bala de prata”. Ou seja, seguem uma lógica bem diferente do raciocínio apaixonado de políticos seja do governo, seja da oposição, diante do conteúdo da gravação. O padrão de qualquer inquérito da PF é simples: hipóteses sendo confirmadas ou descartadas, cientificamente, no decorrer da investigação.
Elas ainda estão sendo analisadas friamente por policiais, a cada avanço do inquérito. Contudo, a hipótese da tentativa de interferência política na PF ganha sustentação técnica quando Bolsonaro diz que, se não fosse trocado o superintendente do Rio Janeiro, ele mudaria o comando da PF e até o ministro Sergio Moro.
Neste primeiro momento, a avaliação do conteúdo do vídeo será feita por investigadores do caso tanto na PF como no Ministério Público Federal. Ao fim, o peso da decisão será do procurador-geral da República, Augusto Aras. Ele pode arquivar ou construir uma denúncia contra o presidente por eventuais crimes como coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça ou até por desrespeito a um princípio da Constituição.
E é ai que mora o ponto mais sensível do caso para os investidores ouvidos pela coluna. Ainda que tenha se mostrado alinhado com o presidente em vários momentos nos quase oito meses de sua gestão, Aras não conseguirá facilmente convencer sua equipe de que não há elementos para uma denúncia. Procuradores próximos a Aras também farão uma análise das provas colhidas no curso do processo.
Caso se confirme a íntegra do teor do vídeo, pode ficar demonstrado que a retirada do diretor-geral da PF não foi apenas um ato sem motivação, mas provocado para um determinado fim, proteger os filhos. É o que avaliam esses delegados da PF ouvidos pela coluna.
As ameaças feitas a Moro pelo presidente na reunião ministerial, na frente de diversas testemunhas, se concretizaram. Bolsonaro demitiu o diretor-geral da PF, se preocupando em pedir ao delegado Maurício Valeixo que fosse registrado no diário oficial “a pedido”. Depois, tentou nomear alguém para o cargo com quem tivesse “maior afinidade”. Impedido pelo STF, foi obrigado a trocar a indicação. Finalmente, após isso, mudou o superintendente do Rio.
O direito penal recorre ao bom e velho latim para flagrar, etapa por etapa, o chamado “Iter criminis”, revelando o “caminho do crime” desde a primeira ideia que originou o delito, até sua plena execução. Mesmo que o ônus da prova seja do acusador, e que Moro tenha experiência somente no papel de juiz, a insistência do ex-ministro em apontar o vídeo da reunião ministerial como prova tinha um único objetivo, o de mostrar ao país a suspeita trilha aberta por Bolsonaro.