Volta e meia surge uma palavra nova, uma gíria, um neologismo… mas nem sempre o passado e o futuro desses termos ficam muito claros. Vale a pena dar uma olhada em alguns deles, porque talvez simbolizem mais do que parecem.
O primeiro caso é a expressão “cringe”, que bombou nas últimas semanas na internet, como um “novo” modo de a geração Z (nascida entre 1995 e 2010) debochar de coisas supostamente constrangedoras, principalmente relacionadas à geração millennial (nascida entre 1980 e 1994). O termo inglês já existia há muito tempo como verbo e foi subvertido como gíria há alguns anos.
O que talvez tenha passado despercebido pela maioria é o histórico dessa subversão. O site americano “Know your Meme”, uma espécie de Wikipédia dos memes, conta a história da expressão. Seria, na verdade, uma derivação de “Cringeworthy”, que por sua vez apareceu pela primeira vez no nome do personagem Cuthbert Cringeworthy, da tirinha britânica The Bash Street Kids, em 1972.
Em 2004, o termo começou a circular no meio digital em fóruns que apontavam cenas “cringeworthy” do filme O Senhor dos Anéis, e foi se espalhando para outras searas da internet, até que entre 2009 e 2010 perdeu o sufixo e ficou apenas “cringe”. Em 2013, com a criação do site “The Cringe Channel”, a expressão se popularizou de vez nas redes.
Ou seja, no fim das contas a piada da geração Z é uma derivação pobre de um personagem da geração X, e ganhou corpo principalmente pelas mãos da geração Y (millennials) americana, já que entre 2004 e 2013 a geração Z ainda não ditava as tendências da internet.
Esse ciclo de ressignificações, que fala do passado das palavras, mas parece pouco relevante para o Brasil do momento, pode ter também desdobramentos improváveis no futuro de alguns termos aparentemente desimportantes.
É o caso, possivelmente, de um pequeno erro de acentuação cometido pelo deputado Eduardo Bolsonaro no twitter em relação à palavra “melancia”. Em 20 de junho de 2018, ao postar uma crítica a Geraldo Alckmin, ele escreveu: “Próxima do Alckmin é botar uma melância no pescoço”. Voltou a repetir em 19 de maio de 2019, ao rebater uma crítica do editor Carlos Andreazza, quando escreveu: “Quer aparecer bota uma melância no pescoço”.
Tudo indica que foi apenas um erro de acentuação bobo, mas talvez a repetição do uso tenha outras camadas subconscientes. Filólogos, psicólogos e sociólogos podem nos ajudar com interpretações mais profundas, tendo em vista os anos de sofrimento que o Brasil tem passado nas mãos do pai do deputado e nas relações complicadas da família.
Enquanto essa análise profunda não vem, dou alguns palpites rasteiros.
Se o caminho do estudo for o dos trocadilhos, uma sugestão é que se comece pela avaliação das palavras “melança” e “milícia”, que juntas podem muito bem gerar o triste “melância”, e são um bom retrato do governo atual.
Outra possibilidade é uma subversão da gíria militar para comunistas vestidos de farda, conhecidos como “melancia”, por serem “verdes por fora e vermelhos por dentro”. Nesse caso, “melância” seria um neologismo com apenas um toque de trocadilho, porém mais voltado à transposição semântica, dando origem ao “verde por fora e milícia por dentro”. Vai saber… ainda é cedo para definir.
Com certeza há muitas outras possibilidades de interpretação e o futuro ainda nos reserva mais surpresas da família de zeros, mas é duro ver o país sendo regido por uma corruptela gramatical desse quilate.
Ainda mais quando temos na história das nossas letras um mestre dos neologismos como Guimarães Rosa, criador de um termo que define bem os tempos atuais: “circuntristeza”. Uma tristeza circundante. Todo o entorno, por vazio, nos entristece.
É um retrato mais poético do presente, em que a palavra Brasil parece ter se esvaziado de tantas maneiras e segue sendo ressignificada.
Infelizmente os novos símbolos não tem sido nada alentadores. Só nos resta torcer para uma recuperação breve de neologismos mais esperançosos, que nos ajudem a superar essa circuntristeza, e deixem para trás tosquices como “cringe” e “melância”.
O Brasil merece símbolos melhores.
* Daniel Fraiha é jornalista e roteirista, Mestre em Criação e Produção de Conteúdos Digitais pela UFRJ e sócio da Projéteis – Criação e Roteiro