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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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Família partida

Disputa em Recife mostra desgastes profundos – e irreversíveis - no clã Arraes

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 nov 2020, 11h10 - Publicado em 25 nov 2020, 11h08

A disputa no segundo turno das eleições municipais em Recife (PE) entre os primos João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) esconde raízes profundas que abalaram uma verdadeira estrutura oligárquica familiar que está há anos no poder.

Em conversa com a coluna, o cientista político pernambucano Carlos Pereira faz uma análise da família Arraes e mostra que a falta de uma liderança – com a morte de Miguel Arraes e de Eduardo Campos – pode ter gerado o conflito que está sendo visto hoje nas urnas.

“A estrutura familiar normalmente é que dá estabilidade, segurança para as pessoas, previsibilidade no comportamento. Essa estrutura é muito importante. A minha pergunta é: o que faz um membro da família romper?”, questiona Carlos Pereira.

A história familiar começou com a ascensão de Miguel Arraes ao poder. Em 1962, ele se torna governador de Pernambuco pelo PTC, um partido nanico de pouca expressão. Segundo Carlos Pereira, Arraes se apoiou na economia canavieira e nas articulações construídas com fornecedores de cana e usineiros para ganhar força. O cientista político enfatiza que Miguel Arraes não era um candidato de esquerda, mas sua história na ditadura militar fez com que seu perfil se aproximasse da esquerda.

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“Eu me lembro muito, eu estava em Recife, meu pai era muito vinculado a Arraes, ele me levou para o aeroporto quando Arraes voltou do exílio, em 1979. E foi bonito aquela coisa na cidade. E ele voltando, entrou no MDB. Foi candidato inclusive pelo MDB. Depois, muito depois, depois que Jarbas Vasconcelos tinha ido para o PSB é que houve essa transição dele para o PSB. Então a estrutura da política de Miguel Arraes sempre foi uma estrutura familiar oligárquica”, explica Carlos Pereira.

Para o cientista, Miguel Arraes conseguiu passar seu legado para o neto, Eduardo Campos, que teve uma administração positiva e com bons resultados no governo de Pernambuco entre 2007 e 2014. Carlos Pereira acredita, inclusive, que Eduardo Campos conseguiu superar o avô.

“A administração de Eduardo foi muito virtuosa, no sentido de atrair investimentos para a cidade, foi aquele boom econômico do governo Lula, com a descoberta do pré-sal, construção de refinaria, atração de montadoras…Pernambuco teve anos seguidos de taxas de crescimento a cifras chinesas. O desemprego em Pernambuco foi quase zero. Ele conseguiu superar o avô”.

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Apesar dos êxitos de Eduardo, um momento de atrito em 2014 teria iniciado o desgaste familiar que tem seu auge nas eleições municipais deste ano. Em 2014, a então vereadora Marília Arraes tentou se candidatar ao cargo de deputada federal, mas foi vetada pelo PSB. Na época, o receio de Eduardo Campos era que a candidatura de Marília sinalizasse nepotismo.

“No momento em que Eduardo, muito receoso de que existisse na família um outro político e isso sinalizasse nepotismo e não uma nova política, ele vetou a candidatura da então vereadora Marilia Arraes, que também era do PSB, a deputada federal”, conta Carlos Pereira.

A indignação de Marília Arraes veio em forma de apoio à reeleição da então presidente Dilma Roussef no segundo turno, embora a orientação do PSB fosse o apoio a Aécio Neves.

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“Esse foi o momento da cisma. Claramente quando uma estrutura oligárquica familiar quebra, ela se deve fundamentalmente a problemas de coordenação. Houve um problema sério de coordenação e de ressentimentos de entes familiares que não se sentem reconhecidos e decidem trilhar um caminho alternativo”, explica o cientista político.

Luta fratricida

Carlos Pereira chama atenção para o fato de que parentes que vieram da mesma raiz familiar, com a mesma estrutura e pensamentos, agora se enfrentam em uma disputa nada amigável, com exposição de problemas e ataques diretos.

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“O curioso é que essa estrutura familiar não foi capaz de se auto coordenar e entraram agora numa luta literalmente fratricida. A campanha entrou num nível muito confrontacional, de exposição de podres da família de um lado e de outro e que, ao fim e ao cabo, em função dessa falta de coordenação, essa própria oligarquia pernambucana é que tende a perder. Os estilhaços, os ressentimentos, as animosidades que tendem a surgir a partir de um pleito, independente do vencedor, é muito desagradável. Essa estrutura familiar vai ficar muito difícil de se reaglutinar no futuro”, acredita Carlos Pereira.

Além disso, o cientista político enfatiza que João Campos e Marília Arraes fazem parte de legendas de esquerda, em direção diferente do que era vivido por Miguel Arraes. Ele lembra, inclusive, que o PT surgiu em Pernambuco em oposição a Miguel Arraes e só depois as alianças foram sendo construídas.

Para Carlos Pereira, a morte trágica de Eduardo Campos em um acidente de avião em 2014 pode ter agravado os problemas da família Arraes, pela falta de um centralizador interno que pudesse administrar os conflitos.

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“Uma pena que ele veio a falecer e talvez até por esse desastre e pela ausência como coordenador do clã, e a falta de um coordenador centralizador como eram Arraes e Eduardo, com a ausência desses perfis dominantes dentro do PSB, Marília viu a oportunidade de fazer carreira solo. Talvez se Eduardo não tivesse morrido, Marília nunca teria saído do PSB. Ela teria continuado no PSB e não teria sequer dado apoio a Dilma no segundo turno”, afirma.

Agora, Recife se vê diante de uma escolha que, no fim, significa a mesma coisa. Pesquisas apontam que a diferença entre Marília Arraes e João Campos é pequena e, no dia 29 de novembro, a escolha da população é basicamente sobre qual integrante da família vai continuar o legado dos Arraes na cidade.

“Pernambuco termina o segundo turno dependendo dessa mesma árvore, dessa mesma família, isso é muito irônico e as diferenças entre esses grupos são mínimas. A mesma história, a mesma formação, as mesmas conexões, e hoje estão em campos opostos fundamentalmente por uma oportunidade eleitoral. Eu vejo essa disputa eminentemente como uma medida de musculatura para ver quem tem mais força de se viabilizar politicamente e eleitoralmente no Estado, porque do ponto de vista de diferenças marcantes de história, de proposta, de agenda, de ideologia, é praticamente não existente. São figuras da mesma linhagem, da mesma família”, conclui Carlos Pereira.

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