O presidente Lula afirmou nesta quinta-feira, 14, em discurso na 4ª Conferência Nacional da Juventude, que estava feliz por colocar um “ministro comunista” no Supremo Tribunal Federal: “Vocês não sabem como eu estou feliz hoje. Pela primeira vez na história desse país, nós conseguimos colocar na Suprema Corte desse país um ministro comunista, um companheiro da qualidade do Flávio Dino”. Se, por um lado, esta fala é uma provocação frontal aos opositores bolsonaristas e uma resposta ao mote de um ministro “terrivelmente evangélico”, por outro, é um aceno de Lula para suas próprias bases. A indicação de Dino desagradou petistas favoráveis ao nome de Jorge Messias (ministro da AGU), mas incomodou especialmente os setores progressistas apoiadores do presidente.
Desde setembro, quando o próprio Lula afirmou que gênero e cor não seriam critérios para a escolha do sucessor da vaga de Weber, uma enxurrada de textos, discursos e manifestações de descontentamento com Lula azedaram os círculos progressistas que defendem a primeira mulher negra na corte mais alta do país. A articulista Fayda Belo, por exemplo, afirmou ironicamente que “a mulher negra foi para a rampa, mas não foi para a Suprema Corte, pois o lugar da diversidade é na foto, e, dos homens, no poder”. Na mesma linha, o jurista e articulista Thiago Amparo afirmou: “Não há pano suficiente a ser passado que cubra a vergonha […] Equidade subiu a rampa do Planalto na posse de Lula, mas nunca a desceu para ser convidada aos salões do poder”.
De fato, ao nomear seu próprio advogado, Cristiano Zanin, para ocupar a vaga deixada por Ricardo Lewandowski, e Dino, para a posição ocupada por Rosa Weber, Lula reduziu a participação de mulheres no STF à presença solitária da ministra Carmen Lúcia. Esta discrepância de gênero no Supremo destoa da média global em tribunais congêneres, por exemplo: no Uruguai são 3 ministras mulheres de um total de 5 vagas (60%); na Alemanha são 8 mulheres de um total de 16 vagas (50%); nos Estados Unidos são 4 mulheres de um total de 9 vagas (44,4%); e no Chile são 8 mulheres de um total de 20 ministros (40%).
O pragmatismo foi a grande marca de Lula neste primeiro ano de seu terceiro mandato: estabeleceu desde cedo um acerto de governabilidade com Arthur Lira – eleito presidente da Câmara com inéditos 464 votos; loteou cargos para o centrão em todos os escalões do governo; deu sinal verde para Fernando Haddad afagar o mercado, enquanto permitiu Gleisi Hoffman criticar o próprio Haddad para agradar petistas mais extremados no campo econômico.
Deste modo, colocando uma cortina de fumaça aqui, dando uma bravata ali, Lula emplacou seu advogado pessoal Zanin e seu velho amigo Dino no STF. Vale registrar: das dez indicações para o STF que realizou em seus três mandatos, Lula indicou apenas uma mulher. E ainda: Dino obteve a segunda pior votação no plenário do Senado entre os atuais ministros do STF (47 votos a favor e 31 contra) – e antes disso teve a maior rejeição na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça novamente se comparado aos atuais ministros (17 votos a favor e 10 contra). O Brasil permanece polarizado e o centrão faminto.
* Davi Lago é coordenador de pesquisa no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia (PUC/SP) e doutorando em filosofia e teoria do direito pela Universidade de São Paulo.