Excelentíssimo Deputado Celso Russomanno,
O Instituto Pólis é uma organização não governamental que atua em defesa da qualidade de vida e do respeito aos direitos de todos brasileiros, particularmente daqueles mais pobres, incluindo o direito ao acesso à energia.
Como é do seu conhecimento, o Brasil tem uma das contas de energia mais caras do mundo. Ano após ano, nossas tarifas têm ficado cada vez mais elevadas, o que, além de freiar o avanço da economia brasileira, compromete a renda das famílias, especialmente aquelas que ocupam as classes menos abastadas da sociedade.
Um dos principais motivos para esse alto custo da energia está na enorme parcela de subsídios que todos nós somos obrigados a pagar por meio das contas de luz, na grande maioria das vezes sem sequer conhece-los. Há subsídios para carvão, subsídios para agricultura e irrigação, subsídios para fontes de energia altamente competitivas, subsídios para fomento a distribuidoras e por aí vai.
Dentre todos esses subsídios, talvez o mais perverso seja o da geração distribuída (GD). Isso porque ele é arcado principalmente pelos consumidores de energia de baixa renda que, nas atuais circunstâncias, jamais terão condições de instalar sistemas de GD em suas residências, mas têm de cobrir as despesas de uso da rede de distribuição de energia daqueles outros consumidores que podem adquirir esses sistemas.
Na prática, trata-se de um mecanismo injusto de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos. Apenas em 2023, esse subsídio representará 5,4 bilhões de reais! Adivinha quem vai pagar essa estrondosa conta? O principal responsável será o consumidor de baixa renda.
Em 2021, houve ampla discussão no congresso para que essa perversa benesse à parcela mais rica da nossa sociedade (aquela que consegue dispor de algumas dezenas ou até centenas de milhares de reais para a instalação desses sistemas de GD) tivesse um ponto final.
Apesar de muito esforço do governo, associações, organizações de defesa do consumidor e outras entidades da sociedade civil organizada, tal subsídio acabou sendo assegurado àqueles que pedissem às distribuidoras o acesso à rede até o final de 2022.
Mas, se o benefício não foi encerrado, ao menos a perspectiva de uma data de término tornou a derrota um pouco menos grave.
O problema é que chegamos a novembro de 2022 com a apresentação do projeto (PL 2.703/22) para que esse sistema de Robin Hood às avessas perdure por mais um ano. Causa espanto que logo o senhor, que se reconhecido como o grande patrulheiro do consumidor e é presidente da Comissão de Defesa do Consumidor na casa do povo, apresente tal projeto, sem nenhuma preocupação com o consumidor de baixa renda.
Excelentíssimo Deputado, conhecendo o seu histórico de manifestações em defesa dos interesses dos mais pobres, supomos que o senhor tenha proposto esse PL talvez sem completa clareza de suas consequências.
Não é emblemático que TODAS as entidades que atuam em defesa dos consumidores de energia elétrica do país sejam contrárias a esse projeto? IDEC, ANACE, ABRACE e várias outras entidades já manifestaram seu repúdio ao texto. Não seria o caso de revê-lo diante das ameaças que representa aos consumidores em geral e àqueles de baixa renda em particular?
Há poucos meses, em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, representantes da ANEEL, distribuidoras e outras entidades foram inquiridos a apresentar justificativas para os altíssimos reajustes na conta de energia. O discurso dos parlamentares era nobre: “os consumidores não aguentam mais pagar uma energia tão cara e esse reajuste está excessivo!”
O problema é que de nada adiantam os discursos apaixonados a cada vez que a conta de luz aumenta se os principais motivos para as sucessivas altas vêm justamente de interferências de novos projetos de lei no setor elétrico, os quais acabam apenas por atender a grupos específicos de interesse.
Em nome dos milhões de brasileiros de baixa renda de todo o país, espero que esta mensagem possa sensibilizá-lo quanto à ameaça que o projeto 2.703/22 representa, particularmente para a parcela mais carente da população brasileira.
O fato é que o ideal seria desenvolvermos algo na direção contrária – ou seja, que os mais pobres pudessem ser beneficiados pela redução de custos proporcionada pela GD – e não sobrarem como pagadores da conta.
Ainda dá tempo de barrar o mal que sua medida trará, nobre Deputado.
Agradecemos a sua atenção e ficamos à disposição para contribuir no aperfeiçoamento do PL, bem como para esclarecimentos adicionais sobre a nossa posição a respeito desse ou de qualquer outro tema de interesse da população carente do nosso país.
* Clauber Leite, Coordenador de Energia do Instituto Pólis