A preocupação com a sustentabilidade do planeta, ou seja, com a continuidade da nossa existência nele, só cresce. No ano em que o Brasil tem a presidência do G20, lamentamos constatar que, embora muito se tenha falado em enfrentar crises econômicas e climáticas, até hoje não foram implementadas medidas efetivas para prevenir os tais desafios globais que enfrentamos. E eles crescem. O G20, um dos principais fóruns econômicos mundiais, tem a responsabilidade de agir mais incisiva e rapidamente, mas ainda atua lentamente, como se não estivéssemos em modo de emergência. O que vemos é uma incapacidade contínua de resolver as nossas questões mais fundamentais. A resposta inadequada do G20 às crises econômicas globais (que foram o principal motivo da sua criação) levanta questões sobre sua eficácia e seu compromisso com o bem-estar global. Não estamos falando sobre o futuro. O que vivemos é uma emergência.
Sabemos que existem soluções. E elas estão resumidas nas recomendações apresentadas pelo Civil20 (C20) este mês aos principais governos mundiais. Composto por mais de 1760 organizações e movimentos de 91 países, elas mostram, com evidências, que é possível proteger os direitos das pessoas e do planeta. Mas elas precisam sair do papel, muito rapidamente. Cada dia que passa, a temperatura do planeta e da geopolítica esquenta um pouco mais e passou da hora de reconhecer que os países do G20, apesar de terem responsabilidades diferenciadas, têm em comum o fato de que suas ações afetam não apenas os membros do G20, mas o mundo inteiro. O G20 precisa agir com coerência política e cumprir os compromissos já feitos em espaços multilaterais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a Agenda de Ação de Adis Abeba e o Acordo de Paris sobre o Clima.
O C20 tem sido consistente ao longo dos anos, denunciando que o agravamento da pobreza, as desigualdades, as violências (incluindo a violência de gênero) e a urgência climática são, de fato, consequências de muitas decisões erradas do próprio G20. A manutenção dessa cultura patriarcal de privilégios, a desigualdade de poder entre países e dentro dos países e a concentração de riqueza entre poucos indivíduos atingiram seu auge e precisam acabar. O problema não é, nem nunca foi, a falta de capacidade financeira para resolver essas crises. Os recursos existentes não são usados de maneira eficiente e transparente, e os interesses das corporações e monopólios continuam a orientar a alocação de recursos públicos, minando os direitos das pessoas.
É inaceitável que o G20 continue sendo leniente com empresas que vão contra o bem comum e insista em falsas soluções, como a promoção de instrumentos de “financiamento misto” (blended finance), que utilizam recursos públicos e cooperação internacional para reduzir riscos de empreendimentos privados. É urgente transformar as relações econômicas e comerciais.
Seria mais eficaz reformar as Instituições Financeiras Internacionais e os Bancos de Desenvolvimento Multilaterais, garantindo uma participação justa do Sul Global e da sociedade civil representativa, integrando os direitos humanos, as obrigações ambientais e os ODS na tomada de decisões. Também é preciso investir em políticas fiscais globais progressivas e justas e, além de taxar mais os super-ricos, é urgente reduzir os incentivos para setores econômicos que geram externalidades negativas.
É hora de reduzir a carga da dívida e garantir que todos os países possam se beneficiar de políticas públicas financiadas, baseadas em evidências, que sejam antirracistas responsivas à igualdade de gênero e ao clima. Que garantam trabalho decente, sistemas de proteção social, acesso à água, terra, habitação, segurança alimentar, educação e saúde universais – incluindo saúde mental e direitos sexuais e reprodutivos – para todas as pessoas.
A redução dos gastos militares e a transição para uma economia voltada para a vida são medidas possíveis. Os países ricos devem cumprir o compromisso de 0,7% de ajuda oficial ao desenvolvimento dos demais países. Mas gerar recursos adicionais, incluindo mecanismos de financiamento inovadores, para financiar, inclusive, os fundos. Ser responsável significa implementar planos de transição justa, desinvestimento em combustíveis fósseis e medidas mais ambiciosas de mitigação e adaptação climáticas.
Superar as poli-crises requer a defesa da democracia, da laicidade dos Estados e dos direitos humanos. Fortalecer o acesso à justiça, aprimorar o espaço cívico e proteger os defensores dos direitos humanos e ambientais são o único caminho efetivo para o sucesso do G20 que, aliás, carece de um mecanismo robusto de responsabilização pelas suas decisões.
* Alessandra Nilo é Sherpa do C20, grupo de engajamento da sociedade civil para o G20 – Brasil
* Henrique Frota é presidente do C20, grupo de engajamento da sociedade civil para o G20 no Brasil