Os depoimentos dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica elevaram e muito a gravidade da situação jurídica de Jair Bolsonaro no contexto da investigação da tentativa de golpe de estado.
Mas as oitivas do general Marco Antônio Freire Gomes e do tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior na Polícia Federal têm outro fator importantíssimo para o país: se colocam como marco democrático para a história das Forças Armadas no Brasil.
Desde o golpe de 1964 – que completa 60 anos neste mês, somado a todo histórico golpista das Forças Armadas -, há a forte suspeita de que esse espírito contrário à democracia permanece dentro do Exército, Marinha e Aeronáutica.
A suspeita não estava errada, como mostraram os anos Bolsonaro.
Setores do Exército, da Aeronáutica – e claramente da Marinha, por conta do lamentável comportamento do almirante Almir Garnier Santos em encontro com o ex-presidente – continuam sim com esse DNA golpista, que vem desde a “revolta paulista” de 1924, há 100 anos.
Ao mesmo tempo, é muito importante para a história do Brasil que dois dos três chefes das Forças Armadas tenham resolvido agir dentro dos limites constitucionais, em um momento de extrema tensão institucional e sob pressão do então presidente da República.
Freire Gomes afirmou, após ser instado a participar de um golpe por Jair Bolsonaro, que o “[Exército] não aceitaria qualquer ato de ruptura institucional”. O general ainda disse ao líder da extrema-direita que “não haveria mais o que fazer em relação ao resultado das eleições”, mostrando ao presidente que ele poderia ser responsabilizado caso mantivesse seu plano golpista.
É uma resposta corajosa. Revela que o militar tem o entendimento do seu papel institucional e os limites constitucionais que ele, como comandante do exército, deve impor às tropas.
Já o tenente-coronel Batista Júnior, então chefe da Aeronáutica, teve a mesma coragem do seu colega, o general Freire Gomes. Em frente a Jair Bolsonaro, afirmou que não haveria a hipótese de o presidente permanecer no poder após o fim do seu mandato, rechaçando um golpe de estado.
Sobre o comportamento do então comandante da marinha Almir Garnier Santos… bem, trata-se de algo realmente lamentável. O seu colega de Forças Armadas Freire Gomes relatou em depoimento que, quando Bolsonaro pediu ajuda dos comandantes para sua intentona golpista, o almirante teria colocado as tropas à disposição do então presidente da República.
É realmente assustador que, tanto tempo depois do golpe de 64, um chefe da Marinha esteja se comportando desta forma. No caso de Garnier, há ainda o agravante que ele permaneceu em silêncio em seu depoimento na Polícia Federal, deixando claro que ele de fato pode estar envolvido.
Garnier, desta forma, acaba quase tão implicado quanto Jair Bolsonaro na trama antidemocrática e nas investigações da Polícia Federal sobre o caso.
Mas, ao que tudo indica, o Brasil pode ter a certeza de que pelo menos duas das três Forças Armadas, através de seus comandantes, deram exemplo de como se portar em um Estado democrático de direito.