Em Mossoró, no Rio Grande do Norte, o presidente Jair Bolsonaro contou, no meio da população que o recebeu, que o auxílio emergencial será mantido até o fim do ano. Se for com o valor de R$ 300, o benefício significará R$ 100 bilhões a mais de gastos. O que importa é que pareça concessão dele. O presidente já tinha avisado, em outro encontro com seguidores, que a equipe econômica defendera R$ 200, mas ele achava pouco.
Apesar de ter construído sua campanha política com o discurso de ódio ao PT, Bolsonaro está imitando cada vez mais os dois ex-presidentes petistas. Nas idas ao Nordeste ele repete os gestos de Lula de se misturar a multidões, como se viu em Mossoró.
Para um governo que na eleição prometeu seguir o liberalismo econômico, a semelhança com o desenvolvimentismo dos governos petistas é cada vez maior entre os ministros militares e os outros, como Rogério Marinho. Passa também pela política que ele sempre criticou, o Bolsa Família.
Seu ministro da Economia, Paulo Guedes, está preparando um reforço ao programa e uma troca de marca para que o benefício seja reconhecido como bolsonarista. Nesta terça-feira, 25, o Palácio do Planalto lançará o Renda Brasil, que amplia o Bolsa Família e substitui o auxílio emergencial.
Além disso, Bolsonaro se parece com Dilma quando estimula o gasto público. A ex-presidente disse certa vez que “gasto público é vida”. Para o atual presidente, deu uma sobrevida. Incitada pela necessidade provocada pela pandemia, a gastança pode se eternizar porque isso, no fundo, é o que ele sempre acreditou. Como deputado, lutou apenas pelos aumentos de salários das categorias que representava.
Como presidente, continua fazendo a mesma coisa. Tanto é que autorizou o reajuste de até 73% em um benefício chamado “adicional de habilitação”, criado no governo Fernando Henrique Cardoso e concedido a quem fez cursos ao longo da carreira militar. Só este ano, enquanto o coronavírus paralisou a economia, um grupo das Forças Armadas que já tem salários brutos de R$ 50 mil recebeu um aumento de R$ 1.600.
O problema é que Bolsonaro não copia também as qualidades. Os dois ex-presidentes tomaram decisões que fortaleceram órgãos de controle. Por exemplo, escolheram sempre o primeiro da lista dos mais votados para procurador-geral da República. E há um destaque para Dilma, que aprovou a tão importante Lei de Acesso à Informação. Aliás a lei nunca foi tão útil quanto agora. Desde 2019, Bolsonaro tem enfraquecido esses mesmos institutos.
Enquanto isso, outro privilégio para categorias que ele defende surgiu dentro da Reforma da Previdência – a única medida de ajuste fiscal do seu governo, aprovada por grande esforço do Congresso Nacional. Bolsonaro chegou a dizer que, por ele, não faria a reforma. Depois disso, aprovou todos os aumentos de gastos pedidos pelos militares. Ou seja, sua defesa da austeridade, do teto de gastos, está em conflito com suas decisões.
A crise da semana passada, aliás, foi provocada pela maneira dúbia que ele sempre lidou com o controle dos salários dos servidores – aumento para militares e salários congelados para outras categorias até 2021.
Ao menos até aqui, Bolsonaro mostra que nunca vai conseguir se aproximar dos dois ex-presidentes no que diz respeito aos atributos. A relação de Lula com Nordeste era genuína e, de fato, foi dele a ideia de retomar projeto histórico da transposição do São Francisco. A de Bolsonaro é mais oportunista. Ele já usou a palavra “paraíba” de forma pejorativa para definir governadores da região, revelando o que realmente pensa.
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Clique e AssineNo mês de julho, o presidente participou de cerimônia de inauguração de parte do projeto em Penaforte, no Ceará. Na ocasião, reforçou que não deixaria nenhuma obra parada e que aquela iria “levar água para a casa do cidadão nordestino que sempre teve carência disso”.
Ao Valor Econômico, o ministro Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência, disse, segundo informa a edição desta segunda, 24, que a versão “paz e amor” de Bolsonaro se compara a do ex-presidente petista. “Lula antes de ser eleito tinha um discurso veemente… depois amenizou”.
O ministro mostra a tentativa do presidente de, mais uma vez, copiar antecessores. Na parte do comportamento contido do presidente pode não durar muito, contudo. No fim de semana, ele ameaçou um jornalista: “Eu vou encher a sua boca boca com uma porrada”.
De tanto copiar os ex-presidentes que ele disse detestar, Bolsonaro começa a repetir agora a história (a pior parte) do ex-presidente Michel Temer. Vive o começo de um escândalo só dele envolvendo o seu ex-advogado Frederick Wassef, que recebeu nada menos que R$ 9 milhões da JBS, como revelou a revista Crusoé.